Quando os assuntos espiam nos cantos da casa e do mundo e não sabemos o que escolher.
Os otimistas tão raros hoje em dia? Os pessimistas maioria, ou os pavorosos?
Lembrei de um filme de Woody Allen em que ele definia os humanos em duas turmas: “Os horríveis e os miseráveis”.
Por muito tempo achei graça sempre que lembrava da frase. Mas houve fases em que a comicidade me pareceu menor, até grosseira. E hoje? Onde estamos, a que ponto chegamos no meio de uma pandemia que destrói pessoas, famílias, economias, enquanto muitos ainda dão risada e sacodem a cabeça como se nós, os preocupados, fôssemos uma tropa de imbecis, coitados, apavorados, que acreditam na imprensa a serviço do sistema, seja lá o que isso significa.
Não estou entre os apavorados, mas confesso que esse vírus, que há meses me prende em casa, me deixa pensativa e um pouco melancólica.
A doença se politizou em muitos lugares do mundo, ou em todos, e a dor serve para jogos e manipulações.
Mas eu quero mudar de assunto, virar a chave, abrir outra porta: a que dá para o nevoeiro de uma manhã, por exemplo, que mergulha o mundo numa nuvem maravilhosa da qual, aqui e ali, espia a ponta escura de uma árvore.
Ou admirar alunos e professores, que com difícil disciplina dão aulas, estudam, trabalham, no conforto de casa sim, mas com todas as limitações da ausência física. Sem esquecer de todos aqueles incontáveis, que mal têm água para lavar as mãos, quanto mais internet para aulas online.
Também posso pensar em todo o tesouro de afetos que tantas décadas de vida acumularam na minha alma; nas curiosidades e belezas que vi e vivi nas viagens longas ou num cantinho do jardim onde um carrinho de mão muito velho se enfeita de mil cores dos vasos floridos que a gente inventou de botar ali.
Mas também posso abafar por momentos as notícias tristes ou trágicas ligando para alguma amiga querida, ou conversando com a família no Whats, ou curtindo um livro que me apaixona, ou simplesmente ficando quieta, olhos fechados, ouvindo uma música que me encanta, ou em silêncio sentindo a tranquila, profunda respiração da vida – que é enigma e não cessa de produzir beleza, apesar dos desastres humanos.