Não escrevo muito sobre datas, ou escrevo depois, para não ficarmos, todos nós, colunistas, repetindo o tema. Hoje, véspera do Dia dos Pais, resolvi homenagear Dr. Arthur, meu pai, inimitável, inesquecível, insubstituível, como quase todas as pessoas amadas.
Foi, desde que me lembro, proteção, alegria, abrigo, e parceria. Tinha pela família uma devoção imensa, mas por algum motivo éramos mais chegados. Talvez ele visse que aquela menininha inquieta, perguntadeira, rebelde e muito amorosa precisava de companhia que o irmãozinho menor não podia dar. Pessoas que nos conheciam me contariam muitos anos depois que se comoviam ao me ver tantas vezes pela rua, pela mão do pai, quando ele ia ao Fórum, perto de casa. Eu ficava num balanço na pracinha em frente, naqueles tempos tranquilos, olhando a janela atrás da qual ele estava trabalhando. De vez em quando aparecia lá, me acenava um aceno largo, e ria. Era um advogado de grande prestígio, e amava sua profissão.
Mais tarde, quando comecei a entrar no mundo incrível da sua biblioteca, enorme, grande parte dedicada a obras de Direito, matéria da qual mais tarde seria professor, e diretor da Faculdade de Direito de Santa Cruz quando foi fundada. Outra parte era de literaturas de vários idiomas, dos quais eu só sabia português e alemão. Quase todas fora do meu entendimento, obras clássicas que começaria a ler depois. Mas ele sabia me encantar: me botava sentada numa das grandes poltronas de couro, perninhas balançando no ar, e punha no meu colo, não um dos meus muitos livros infantis, mas um volume de uma antiquíssima enciclopédia alemã, cujos volumes tenho comigo até hoje.
Ele não precisava falar: eu folheava fascinada as páginas já amareladas, sobretudo admirando figuras, desenhos, plantas, pássaros, cidades, castelos, pessoas com caras muito sérias. As figuras de página inteira eram protegidas por uma folha de papel de seda, que quase desmanchava na minha mão, tudo com um aroma de papel muito velho, e de muitos segredos ainda guardados num tempo em que eu nem sabia ler.
Era um homem forte e alegre, o Dr. Arthur, gostava de fazer brincadeiras e de cantar, sempre ganhava de todos nós nas brincadeiras de 1º de abril, me levava ao jardim, que era um pequeno parque, me ensinava o nome das árvores, me deixava apanhar frutas me levantando nos braços, e brincando: “Lave antes de comer, ou sua mãe vai ficar zangada”.
Em muitas coisas era meu cúmplice. Quando vim estudar em Porto Alegre, me telefonava todos os dias e continuou esse ritual quando eu já era casada e com filhos. Depois, fraco e doente, muito cedo, aos 68 anos, nas minhas visitas frequentes gostava de andar devagar comigo, num caminho de lajes que varava o jardim. Numa das últimas vezes me falou da sua morte, com a serenidade de um monge budista. Me deixou alguns conselhos e repetiu que, sempre que eu tivesse dúvidas (o que era muito frequente) e quisesse sua opinião, lembrasse disto: “Minha filha, se for por esse caminho, tem mais chance de dar certo; por aquele, mais chance de dar errado. Mas, seja como for, o pai vai estar sempre do teu lado”.
Sei que ainda está.