Estava eu assistindo a um jogo de futebol entre meu time e o adversário de sempre e o meu começou a perder. Soltei um gemido, um grito, quem sabe um palavrão. Uma de minhas netas, ainda pequena, saiu-se com essa frase lapidar, da qual não devia ter a menor noção, que até hoje cito e curto:
– Não fica chateada, vovó. A vida não é justa.
Achei graça porque a criança muito amada certamente não tinha experiência disso. Mas, como fazem as crianças, apanhava no ar coisas ditas por adultos na escola, na televisão, no mundo. E me disse aquilo com um jeitinho maternal, que meninas têm com pais, até avós, e me encanta.
A vida não é justa ou nós esperamos demais dela, querendo também ser crianças mimadas com tudo nas mãos... e de graça? Possivelmente sim. A vida é uma grande mãe generosa, paciente, eternamente disponível. E nos queixamos demais: o imposto, o governo, os governos, o patrão, o empregado, a mulher, o marido (mulheres se queixam muito mais frequentemente dos maridos do que vice-versa, que feio...). Do tempo, é um terror: bufamos por estar quente demais, passamos o tempo analisando a meteorologia em geral falha, ou tiritamos de frio fazendo a mesma coisa. Nos cumprimentamos já comentando com desgosto o calor ou o frio. Ou a chuva, ou a estiagem. Assim, a vida é dura mesmo.
Eternos insatisfeitos. Presenciei uma cena (divertidíssima porque não era comigo): pai, mãe, filhos adolescentes e avó no restaurante de praia, a céu aberto. Passa um pequeno avião, era tempo, eu acho, dos teco-tecos. O aviãozinho era amarelo. A avó comentou: Que bonito esse avião vermelho. Todos na mesa discordaram, ela discutiu, por fim acabaram se calando, pois em outras mesas pessoas já se viravam meio espantadas. Comeram, então, silenciosos. Adultos emburrados. Adolescentes contendo risadinhas. De repente a velhinha disse, alto e bom som:
– Mas era vermelho mesmo.
Para ela a vida devia ser muito injusta, pois não entendiam que ela estava com a razão. Avião vermelho e pronto, embora fosse de um amarelo brilhante. E assim tantas vezes sofremos sem motivo algum, por loucura nossa, por teimosia, por birra, por coisa nenhuma. Mas sofremos. Somos injustiçados, incompreendidos.
Uma velha dama da minha infância, avó de colegas minhas, não tinha uma só amiga, era temida pelas filhas e detestada pelos genros, tolerada pelos netos e netas. Comigo, sem nenhum laço especial entre nós, era sempre gentil. O bolo ainda morno, a flor do jardim do qual se orgulhava. Por que comigo? Talvez porque eu não tinha medo dela nem precisava gostar dela, pois não éramos parentes. Eu até gostava. Achava interessante aquela avó que não tinha muito jeito de avó (a das minhas fantasias seria sempre infinitamente paciente, discretamente divertida.)
Quem sabe a gente tenta fingir que não espera que a vida seja a grande mãe, a doce avó... e aí cada nuvem acumulada no céu, cada florzinha no capim mais reles da beira da calçada, cada sorriso gratuito de alguém desconhecido ou cada agrado de alguém muito querido nos deixará com a sensação de que, sim, a vida pode ser muito justa.