Minha fascinação pelo mar quase nasceu comigo, muito escrevi sobre ele, muito o representei em minhas telas tão amadoras.
Aos quatro meses de idade, fui levada a Torres pela primeira vez. Uma longuíssima viagem desde nossa cidadezinha, parte sobre as traiçoeiras areias a partir de Tramandaí. Lembro, quando já menina, do pai perguntando a outros motoristas, ou a pescadores, como estava a areia: muito mole, perigosa, podia atolar o carro – corriam histórias de carros levados pelo mar, e recordo ainda um ou dois tetos de carros emergindo das ondas naquele trajeto.
Torres era esperada o ano inteiro, para aquele mês, ou dois, de férias encantadas. Minhas primeiras lembranças de mar, areia, pedras, vêm de quando eu tinha uns dois anos e pouco. A gente nos primeiros tempos ficava só na Prainha: a Praia Grande, quase deserta, era “para os homens”, diziam as mulheres, meu pai e alguns outros caminhavam até o Mampituba para nadar, grande aventura. Aos poucos, as famílias foram se animando também, eu (“que guria preguiçosa, já nasceu cansada”, diziam), em uma daquelas carretinhas puxadas por cabritos.
Mas o bom mesmo estava na Prainha, com aquelas pedras baixas e as águas rasas, ondinhas quebrando num cochicho, poças de água nos buracos das pedras, onde a gente podia pegar peixinhos minúsculos, siris diminutos, e mais de uma vez – estranho, misterioso e vagamente repulsivo – colocar o dedo em uma anêmona, que, coisa viva, sugava um pouco – saíamos correndo, aos gritos, que nojo, que nojo.
À medida que fui crescendo, as subidas ao Morro do Farol, nos fins de tarde, muitas vezes só com minha avó paterna. Havia uma trilha precária, lá em cima o velho farol de ferro, e os restos de um cemitério de lápides arruinadas com inscrições em alemão, uma ou outra meio aberta. Minha avó na subida me fazia colher uns liriozinhos cor-de-rosa para botar na sepultura de uma menina. “Morreu com a tua idade”, dizia a avó, lendo as datas da inscrição quase apagada.
Ficávamos escutando o mar: as vozes dos afogados, das sereias; o maravilhoso e sinistro moravam ali.
Depois sentávamos num banco também precário, e ficávamos escutando o mar: as vozes dos afogados, das sereias; o maravilhoso e sinistro moravam ali, perto da ilha onde uivavam lobos de verdade, com pelo encharcado de espuma.
Quando cresci, não havia nada mais fascinante do que ficar ali no alto, o morro já mais cuidado (que pena), com estradinha boa e vários bancos, ou nas pedras da Prainha mesmo, já no começo da Grande, escutando, imaginando, sonhando. Espiando as primeiras casas na encosta, e o Chalé no pé do morro, habitado por fantasmas e sustos. Adormecer e acordar com aquele som de vozes, chamados e cantos (sereias, claro), era o encanto absoluto.
Mais tarde ainda, crianças correndo na areia, fazendo castelos incríveis, jogando bola, nadando no rio... e certa vez, quando passeávamos na praia de noite, um dos meninos exclamou, apontando o dedinho: “Mãe, mãe, olha ali um navio enorme, todo iluminado”.
Era a Senhora Lua, emergindo das águas – dádiva inesquecível.