Quando esta coluna aparecer, será de novo meu aniversário, oitenta e um anos.
Um pouco reescrita, ela já esteve em algum lugar alguma vez, e está no meu livro, As Coisas Humanas, a sair em fins de outubro.
Adolescentes da casa falavam, com orgulho, de quantos anos logo estariam fazendo: duas fariam dezessete, a irmã, vinte e um, o primo ia fazer dezessete também. E calcularam a idade dos outros primos, morando longe.
Comentei com naturalidade que eu faria oitenta e um.
Silêncio meio penoso, depois:
– Pô, Vó, oitenta e um é pesado!
Vivo a passagem do tempo como coisa natural, ser criança, jovem, maduro, velho – apesar dos preconceitos subjetivos e pessoais
Comecei a rir: a ideia não tinha me ocorrido, vivo a passagem do tempo como coisa natural, ser criança, jovem, maduro, velho – apesar dos preconceitos subjetivos e pessoais. Eu, confesso, acho esse número no mínimo engraçado. “O que tem de graça em fazer oitenta anos?”, me perguntou uma amiga meio irritada, quando fiz oitenta.
A graça está em eu, esta aqui, ter tantas décadas de vida, e ainda ser, por dentro, a mesma de antigamente, assombrada com tudo, querendo entender o mundo – apenas agora sabendo que ele não é para ser entendido. É para ser vivido, sofrido, apreciado, contemplado. Pois é prodigioso em tudo, na miséria, na pobreza, na violência, na lua cheia, no mar resmungão, no calor dos afetos que sustentam a gente ainda ferozmente em pé apesar de mais lenta no andar, com a bengala amiga.
Talvez devido à imagem que em geral se tem de pessoas encarquilhadas, tortinhas, indefesas, dentes postiços, quase alimentadas com colher e mingau, a velhice assusta. Mas: muitos jovens ficam doentes, sofridos, deprimidos – muitos velhos participam da vida, nada alienados. Não precisamos ser lindos ou atléticos, mas ainda ver alguns encantos deste mundo, das pessoas, da arte, da natureza, de tudo – apesar das sombras e tormentos. Se estou na vida, quero caminhar, não me arrastar, nem me esconder entre os lençóis da depressão. Até porque esses que me amam, e a quem eu tanto amo, não merecem isso.
Ainda tenho capacidade de rir, sobretudo das minhas próprias bobagens, ou da graça e encantos dessa juventude animada que aparece aqui, sangue do meu sangue (expressão esquisita), filhos, netos, netas. E as amizades de tanto tempo. O parceiro com sua parceria. Os livros que escrevi, e os que leio sem parar – porque não perdi o interesse emocionado pelas tramas do ser humano. Sem esquecer os leitores, alguns me seguindo há mais tempo do que eu teria imaginado.
Depois das amigas que me enchem de afeto, virá o almoço da família, momento que sempre espero com alegria, no aconchego de estarmos todos juntos. (O amado de todos nós que se foi continua em nós – como um meteoro, forte, intenso, que deixou um rastro de memórias cintilantes). Nos queremos bem, não importa se temos quinze, vinte, cinquenta ou oitenta anos. E resistimos abraçados – mesmo quando brigamos um pouco.
Continua acesa esta velha curiosidade por quase tudo, talvez uma viagem, outro livro emergindo no meu pensamento vago, uma nova paisagem – ou apenas uma nuance diferente de verde nas mesmas árvores.
E ainda por cima temos os sabiás.