Algumas frases feitas ouvidas desde sempre ficam gravadas em nós como verdades. Amadurecendo, a gente vai se libertando desses mitos, ou compreendendo que só algumas vezes são verdade. Uma delas é “Querer é poder”, o que cedo constatamos não ser bem assim... Quando menina, tive uma caixinha de lápis de madeira, escrito em cima esse lema.
Eu o detestava, porque queria acordar magrinha, e não funcionava o querer – mesmo intensamente...
Outra poderia ser “A dor nos torna melhores”, estranha apologia do sofrimento. Cedo veremos que a muitos ele apenas torna amargos, eternas vítimas, queixosos, azedos, revoltados. Mais um desses ditos seria que “O trabalho enobrece”, coisa que vou questionar aqui.
Trabalhar pode ajudar a conferir segurança, qualidade de vida razoável, dignidade sobretudo, que é o que de verdade importa. Confiança em si mesmo, melhor ainda. Mas depende de inúmeras condições, então não é o trabalho em si, mas um conjunto de situações de cada indivíduo, ou de um grupo. Assim como a frustração de não poder tudo o que queremos, mesmo com muita luta, e de nem sempre nos tornarmos melhores com a dor, o trabalho pode nos desmoralizar, pode nos embrutecer.
Só nos enobrece aquilo que nos compensa, nos dá alegria, sentido de vida e alguma importância, ainda que seja a de colocar corretamente uma pecinha de engrenagem para que um carro, um avião, um aparelho cirúrgico ou uma engrenagem imensa funcione direito salvando vidas, trazendo progresso, melhorando alguma coisa.
Nenhuma condição porém, nem mesmo alto salário e lugar ideal, vale tanto quanto sentir-se necessário e valorizado
O bom trabalho é aquele para o qual vamos todas as manhãs (ou noites) com uma disposição boa, mesmo enfrentando condução péssima ou atrasada, distâncias, cansaço. Mas saberemos que aquela oficina, escritório, mina, avião, cozinha ou rua, espera nossa ação. Temos um lugar no vasto mundo, talvez alguns colegas formem uma nova família, apesar de diferenças e desentendimentos – como ocorre numa família.
Aos poucos emergimos da servidão e da escravidão para o trabalho instituído, com operários ou trabalhadores de qualquer setor e hierarquia, com alguns direitos embora ainda muito por fazer, e deveres que precisam ser atendidos pelo trabalhador.
Mas mesmo em grandes cidades, onde as leis imperam mais e melhor, diariamente multidões humanas seguem espremidas em condições inaceitáveis para o lugar do seu emprego – eu ia dizer “como animais”, mas faço a ressalva: como alguns animais, pois cavalos e touros ou vacas ditos “nobres” recebem tratamento bem melhor do que muitos trabalhadores.
Nenhuma condição porém, nem mesmo alto salário e lugar ideal, vale tanto quanto sentir-se necessário e valorizado – ainda que seja por colocar diariamente centenas de vezes o mesmo parafuso no mesmo lugar da mesma engrenagem, para que ela funcione bem – para que o mundo funcione bem.
E um automóvel, ou um avião, ou algo menor, não se fragmente matando duzentas, cinco, ou uma só pessoa que seja. Então, o trabalho vale tudo.