Nestes tempos frenéticos, estamos sempre comentando como o tempo passa rápido: meu Deus, já é fim da semana, fim do mês, fim do ano... fim da vida?
Cuidamos para não perder tempo no trabalho, nos horários, nos mil compromissos, naturalmente os compromissos ditos sérios, os de trabalho – que nos podem conseguir promoção, melhor pagamento, mais felicidade..., tentamos, sim, não perder tempo com bobagens. Sobretudo, as sentimentais. Que perda de tempo.
Pois eu vou propor que além das obrigações essenciais, que não se pode esquecer, a gente perca tempo, ainda que bobamente, com os detalhes mais humanos.
Pois eu vou propor que além das obrigações essenciais, que não se pode esquecer, a gente perca tempo, ainda que bobamente, com os detalhes mais humanos. Que a gente se dedique mais ao que é de verdade essencial: os gestos de afeto que aquecem a alma, os olhares que tranquilizam ou alegram, o sorriso que anima, a palavra que pode salvar mesmo que a gente nunca fique sabendo.
Vamos perder tempo, sim, sendo mais bondosos, mais compreensivos. Esquecendo a raiva, a ira, o rancor, os julgamentos, os mal-entendidos em que nos agarramos como a um colar de espinhos, a vitimização, a queixa, a lamúria. Mais o insulto, o xingamento, a calúnia fácil, ah, como é simples concordar quando alguém aponta um amigo, falando dele alguma maldade que até sabemos ser mentira. E, se não fosse, teríamos de negar também: era um amigo. Uma pessoa a quem se pode magoar, quem sabe fatalmente, vejam-se suicídios de adolescentes por bullying demais pesado, na escola ou na turma. Algumas almas são mais frágeis, são os mal equipados para a brutalidade da vida, que a qualquer brisa sentem-se esfolados, descorticados, sem pele, e tudo dói.
Vamos perder tempo, sim, com aquele telefonema para o velho pai, só para dar um beijo e perguntar se precisa de algo, se está bem, se assistiu ao jogo do seu time na noite passada, se melhorou da gripe... e dizer, sem mentir, que logo o vamos visitar.
Vamos perder tempo chamando para almoçar o filho que já saiu de casa, numa boa, mas com quem há tempo demais não conversamos. Olho no olho, palmadinha no ombro, o abraço verdadeiro... você precisa de alguma coisa, está bem, faz tempo que não vem em casa, andamos com saudade... e o trabalho, e a faculdade, e a namorada?
Vamos perder muito tempo com as crianças da casa: nada de “criança não fala na mesa”, “criança não pensa”, ou cada um, na mesa mesmo, com o celular ao lado do prato. Vamos, sim, perder todo o tempo do mundo conversando, olho no olho mais uma vez, dando risada, contando e ouvindo bobagens, que na verdade são sérias e importantes, porque são o cotidiano da vida da família. E porque é ali, em casa, que a meninada tem de se sentir amada, olhada, escutada, apreciada, mesmo se nem sempre é entendida ou aprovada.
Em suma, vamos perder tempo, sim, com os compromissos chamados sérios, porque afinal precisamos ter trabalho, algum dinheiro, dignidade, cuidar da família, e ter uma saudável ambição. Mas vamos nos patrulhar, como se fôssemos nossos próprios amigos (e deveríamos ser), para perder um bom tempo, a cada dia, com o que importa realmente: as pessoas, a vida.
Ah, e nós mesmos também.