Recentemente, depois de uma palestra, uma simpática psiquiatra de crianças e adolescentes me sugeriu um artigo, aqui, sobre medo. Prometi, estou cumprindo, até porque o assunto repassa quase toda a minha obra.
De modo que medo é saudável, medo demais causa angústia, medo de menos nos expõe.
De que temos medo, por que temos medo, desde quando temos medo? Penso que desde o comecinho de tudo, quando ainda nem éramos bem humanos. Pois animais têm medo, muitas vezes mais e melhor do que nós, humanos, meio cegos, distraídos, surdos, com as tantas turbulências, boas e más, desta nossa vida. Perdemos o refinamento de alguns sentidos e muitas vezes acabamos nos expondo a perigos evitáveis, porque já nem os percebemos, mergulhados nos iPods e iPhones e nas redes sociais (nada contra, também tenho e uso).
Imagino, desde pequena, o terror dos primeiros humanos com coisas naturais como tempestade, trovão e relâmpago, dia e noite, outros serzinhos humanos saindo das barrigas das mulheres, e tanta coisa, maravilhosa, louca, perigosa, a que estavam expostos sem conhecimento.
Todos temos medo, e precisamos dele como prevenção de desastres evitáveis. Alguns de nós têm mais medos do que outros: sempre fui uma criança medrosa, possivelmente por esse excesso de imaginação, com o qual trabalho e que, afinal, paga minhas contas. Eu tinha sobretudo medo do escuro, de vultos imaginados atrás das cortinas, da mão que sairia de baixo da cama pra me arrastar para algum reino de sombras horríveis, só para dar alguns exemplos.
Naqueles tempos contavam-se muitas histórias, começando pelos belíssimos contos de fadas, belos e sinistros aliás, porque as personagens, coitadinhas, geralmente sofrem para conseguir o que desejam: um príncipe enamorado, pernas pra andar com ele, comida em casa para não ser largado na floresta, um beijo de príncipe para despertar do sono causado pela maldição de alguma bruxa... além do mais, sendo por alguns anos filha única, no meio de adultos, eu espetava as orelhas até onde dava para ouvir conversas de adultos, na sala, na cozinha, na lavanderia, no pátio quando se penduravam no varal os lençóis que me acolhiam de noite, perfumados de sol. Histórias terríveis como a da amiga da cozinheira, com um verme imenso na barriga, que saía se pusessem um pires de leite diante da boca da infeliz: à noite eu sentia o verme subindo pela minha garganta. Muito tempo depois eu o exorcizei no meu romance A Asa Esquerda do Anjo.
De modo que medo é saudável, medo demais causa angústia, medo de menos nos expõe. Hoje temos medos que antigamente nem se conhecia, sobretudo na doce cidadezinha onde nasci: crianças brincavam na calçada nas noites de verão, e ninguém imaginava perigo algum. Por outro lado, hoje talvez haja medo de menos: com facilidade brincamos de nos drogar, de beber, de fumar, de nos aventurar em encontros perigosos, porque vivemos num tempo de ilusão de liberdade fácil.
Muitos não vão concordar, e talvez se escandalizem, mas hoje, quem sabe, as grades na janela da casa, as recomendações dos pais, os avisos do médico, sejam bem mais positivos do que aventurar-se no mato onde nem todas as bruxas são boas.