(Hoje me permito uma segunda brincadeira afetuosa com os que me dizem que não entendem nem apreciam poesia...)
A vida, como a ficção, é um teatro de desatino.
Meus personagens: amantes, suicidas, sonhadores, seres rastejantes, criaturas aladas, simples humanos – crianças e seus segredos. O bem, o mal, o riso, o esgar, a procurada morte, a sorte, a sombra. Na beira do palco, como estrelas, penduro palavras: esse talvez seja o meu destino.
Na beira do palco, como estrelas, penduro palavras: esse talvez seja o meu destino.
A vida precisa de uma porta para espiar o que há dentro: um corredor, o espelho e suas criaturas, a sala da família e um claro quarto de criança; um porão de aflições que soluçam à noite (mas dizemos: é o vento); o pátio, simples, e o pequeno jardim com três árvores esguias que afinal são um bosque.
Num resto de muro, a escada de madeira parece não levar a nada. Pousado no último degrau, um pássaro de sombra nos observa: seu bico é curvo e afiado.
Embaixo de toda casa, essa que pensamos conhecer, vive a Medusa com olhos de uma nostalgia mortal. Embaixo de toda casa serpenteiam labirintos que temos de achar, e dominar – ou nos sugam, nos absorvem, nos vomitam – quando sonhamos.
Além deles, ali existe um poço e temos de mergulhar: primeiro as mãos em ponta cheias de encontro e de adeus, depois o rosto marcado, o corpo exausto que se adia.
E por fim, muito mais calma, isso que nos sobrou de alma.
A vida deve ter varandas para sonhar, cantos para chorar, quartos para os segredos, mais a ambivalência, onde se respira – e a portinha do porão, com sua velha chave.
A vida precisa espaço de voar, liberdade de partir ou de ficar, alegria e algum desassossego contra o tédio. Não se esqueçam os danos a cobrir, o medo de perder ou de partir, o dom de surpreender – e um jardim de amores sem adeuses.
O tempo não existe: eu decreto assim. Esses vultos esquivos são rostos, são nomes, são as horas felizes (são o que foi embora?).
O tempo não existe: tudo continua aqui, como uma árvore carregada de máscaras, palavras, promessas, bocas ferozes. O tempo não existe: tudo se resume ao instante. O tempo é um rio que corre mas não passa: é sempre agora.
Porque vida e morte, e o claro e o escuro, e a realidade e a imaginação se entrelaçam, se fundem, se ocultam e se desvendam. Porque o grão de loucura ilumina a noite e fertiliza a terra. Porque somos melhores do que nos fazem crer que somos. Porque para nós, amadores, indagar é melhor do que entender.
Porque o consolo está em que nada faz muito sentido. Porque, se uma parte de viver são escolhas, a outra parte é o olhar compassivo, divertido ou cruel dos deuses – para nossa glória ou danação.