Não vi em minhas décadas de vida uma eleição, uma campanha, que resultasse em tanta ruptura, divisão, hostilidade, afastamento até de pessoas que se amam, ou são amigas, ou são famílias antes amorosas. Vários conhecidos meus relatam pessoas que simplesmente se afastaram da casa, das pessoas queridas, de alguns amigos, de hábitos com que foram criados, para aderir a um ou outro partido, uma ou outra ideologia. Muitas vezes sem sequer entender direito os termos usados, o histórico de tudo, a situação do próprio país. Claro, nem todos, nem a maioria, mas tenho amigos que declararam no Face, por exemplo, que, se eu votasse em que consideram o inimigo, deveria deletá-los: eu não estaria mais no seu círculo de amizades.
Graças aos deuses, essa fase vai acabar. Talvez comecem outras batalhas, mas ainda paira no ar a bela Senhora Esperança.
Pode isso? Pode, sim. Está acontecendo, e confesso que é difícil de entender. Como misturar afetos, às vezes longos e positivos, com política – essa nave incerta e insegura que já mudou de rumo e ainda vai mudar, porque a vida é assim, os povos são assim, a política, essa velha madrasta, age assim?
Talvez estejamos muito cansados de tanta decepção. Muito desiludidos, e muito iludidos. Talvez sejamos imaturos, não sofremos o suficiente. Talvez estejamos muito alienados, povo não educado é povo não informado, e serve de massa de manobra desde que a humanidade tenta se organizar em bandos, tribos, aldeias. Povo educado, ao contrário, faz escolhas mais tranquilas e racionais – sem esse monstruoso preconceito do "nós" e "eles". Alguém já disse que sou repetitiva: é intencional. Bato em assuntos que me interessam ou afligem, como família, educação, democracia. Por falar nisso, que democracia é essa que alija amigos ou família, que se julga dona da verdade e abusa da chibata da intolerância?
E tem os que resolvem partir. O mundo hoje é uma aldeia global etc, etc, etc. Mas: se os bons forem embora, quem vai tomar conta desta nossa pátria, que apesar de muitos atrasos e desmandos ainda é fascinante e acolhedora, e muito mais será quando se corrigirem tanto quanto possível a miséria, a ignorância, a doença, o isolamento – e estes ódios rasteiros, essa desinformação turbulenta, essa balbúrdia de conceitos e emoções? Quem sabe não estejamos nos levando suficientemente a sério: chibata verbal, conceitual ou emocional, a agressividade e o despudor como forma de protesto, a perigosa incitação à revolta estão sendo manejados como brinquedo de gigante em mãos de criancinhas. Podem machucar mais do que se imaginava. Podem quebrar, destruir, arrasar até o que nem de longe se pretendia.
Graças aos deuses, essa fase vai acabar. Talvez comecem outras batalhas, outras ignomínias, outros descaminhos e desconsertos, mas ainda paira no ar, com os jacarandás, as crianças, a lucidez e os afetos bons, a bela Senhora Esperança. (E talvez se curem as insensatas feridas destes tempos.)