Nunca entendi bem essa nossa avidez por julgamentos. Sobretudo por julgamentos que nós fazemos dos outros. Possivelmente, numa interpretação rápida que alguém chamaria "psicanálise de fundo de quintal", eu diria que, criticando os outros, estamos erguendo biombos entre nós mesmos. Como meninos de escola que, tendo feito alguma malandragem, ligeiro dizem "não fui eu, profe", e apontam o dedo para alguém do lado.
Não precisamos ser heróis, nem santos, mas sempre podemos ser um pouco mais humanos, solidários, compreensivos.
Quanto mais inseguros, mais julgamos. Quanto mais culpados – ainda que por nada ou por alguma bobagem –, mais sentenciamos: por que ela não corta esse cabelo? Por que ele não muda de emprego? Por que ela educa tão mal as crianças? Por que frequenta esse restaurante tão caro? Por que nunca tira férias? Por que fala tão mal dos outros? Por que está sempre com essa cara de velório?
Alguém também me disse, há anos, esta frase que nunca esqueci: "Lya, todos têm a sua dor". Sim. Ela pode não cortar o cabelo simplesmente porque gosta assim. Ele não muda de emprego pois tem família a sustentar e não está fácil encontrar outro. As crianças dela não são mal-educadas: são felizes e naturais. Ele frequenta esse restaurante caro porque pode!!! Ele nunca tira férias porque não quer!!! Ela fala mal dos outros porque você também fala, neste momento, aliás. Quem sabe ela está com cara de velório porque perdeu um filho e essa dor não tem cura?
Enfim, não somos grande coisa, o que de certa forma nos consola. Não precisamos ser heróis, nem santos, mas sempre podemos ser um pouco mais humanos, solidários, compreensivos, pelo menos aceitar os demais com suas diferenças, suas manias, suas ainda que ocultas dores. Mas muitos de nós cultivam e curtem jogar pesadas pedras sobre quem nem conhecemos direito, ou que secretamente invejamos. Olhamos e avaliamos o que nos parece serem defeitos dos outros para animar nossa vida tediosa, ou apenas satisfazer nosso caráter não tão bonito.
Grande passatempo, barato, a ser exercido a qualquer hora e em qualquer lugar. Já vi mulheres ridicularizando maridos: "Olhem como está careca! Que barriga de cerveja! Por isso ronca a noite toda!", e outras gracinhas mais pesadas ainda – mesmo diante de um ou dois amigos, é público, e machuca. Ou homens que (bem mais raramente do que mulheres, acreditem) sentenciam sobre sua mulher, namorada, algo como "está gorda, não se veste direito, a casa anda um lixo, sempre de mau humor, quando quero carinho está com dor de cabeça...". Fico imaginando como será o convívio em casa. Na intimidade. Filhos e filhas certamente também são alvos dessas "bondades", então acabam isolados, muito mais bem aceitos com amigos do que em casa, pais ainda se queixando de que não sabem por que perderam o contato com eles.
Difícil assunto esse de nos alçarmos em julgadores, juízes, críticos eternos. Muito mais difícil encontrar quem pouco, ou raramente, fale mal de alguém. Porque estamos infelizes? Porque não conhecemos (ou não aprendemos...) ternura e compreensão? Porque – generalizando eu sei que erro –, no fundo, sem saber, sem notar, somos predadores de almas?