Quando pequena, eu tinha poucas amigas reais: não se usava muito isso de dormir ou comer na casa dos outros, não havia praticamente vizinhas da minha idade, e levei muito tempo para me adaptar ao Jardim de Infância. Pra variar, chorava tanto, e por tanto tempo, que acabava não ficando. Mas eu tinha amigos imaginários, de que já falei: uma família inteira. Familinha, diminutos, vestidos de verde, chapeuzinho pontudo. Eu os sentava no peitoril da janela e conversava com eles. Imaginação infantil ou de verdade gnomos benfazejos? Criança enxerga o que adultos há muito deixaram de ver.
Amigo é um tesouro que o tempo não corrói, e que de um jeito ou de outro nos salva.
Na escola, comecei a entender amizade e coleguismo. Afinal, já podia visitar amigas e elas vinham à minha casa. Sempre havia as mais ligadas a mim e as mais ligadas entre si: eu, em geral a mais novinha e maior, mais pateta para muitas coisas, ficava um pouco de fora. Mas adorava dançar de mãos dadas no pátio da escola, cantiga de roda, sobretudo – ao entardecer nos dias de calor – na calçada de casa. Quando se usava calçada para brincar, conversar, não só para andar depressa, olhando sobre o ombro, bolsa apertada no peito.
Nem sempre eu podia, nem sempre me deixavam, pais amorosos mas preocupados e, em algumas coisas, rígidos. Quando, já escurecendo, a criançada ainda corria ou girava na rua, eu tinha de entrar: banho, comer e cama. Surgiram daí minhas revoluções bobas e prematuras: "Por que tenho de entrar se as outras podem continuar brincando? Por que tenho de comer e logo dormir? Por que, por que, por quê?" A resposta, em geral, era: "Porque eu quero". Ou: "Porque você não é as outras". "Mas então eu sou pior?" "Não chateia, menina."
Por isso e outros motivos, sempre desejei crescer. Ser jovem, adulta, entrar na maturidade, envelhecer: cada vez ficaria mais independente, mais livre. "Ninguém é livre", me diziam. É, sim, eu teimava. Livre para ler ou caminhar quando quisesse, para dormir quando sentisse vontade, para comer algo além de purê de batata, peito de frango, saladinha e canja. Poder dizer coisas bobas e dar risada fora de hora sem ficar de castigo no corredor, fora da sala de aula, por causa de uns irreprimíveis frouxos de riso. (Que ainda tenho hoje...)
Mais tarde, surgiram as grandes, verdadeiras amizades. Cedo vim para cá para fazer faculdade, e Porto Alegre me adotou definitivamente, então tenho poucas amigas de infância, mas algumas de muitas décadas. Se a gente pouco se encontra, estamos juntas no Whats ou no Face, e viva o cyberspace. Estamos ao alcance de um telefonema, e aqui e ali nos vemos. Muita risada, lembrança engraçada ou novidade triste – porque uma desvantagem do passar do tempo é que morrem mais pessoas queridas do que quando éramos moços. Também tenho amigos jovens, o que me ensina, comove e diverte.
Amigo, esse que não cobra, não trai, não tem inveja nem ciúme, nem te deixa na mão – e, mesmo quando não te entende, te curte –, como eu espero ser para os meus, é um tesouro que o tempo não corrói, e que de um jeito ou de outro nos salva.