Na semana passada, falei em Gramado para um público de uns 800 advogados, advogadas e juízes, num congresso do Instituto Brasileiro de Direito de Família.
Tenho aceitado raros convites para palestras, mas geralmente me fazem bem, pelo carinho, pelo debate e a troca de ideias e valores, pela renovação que me proporcionam. O público do congresso era excepcionalmente preparado e participante. Qual o tema que propuseram, já que nada entendo de Direito? Obviamente, "família". Optei por "Família em transformação", de que tanto hoje se fala.
O assunto "família" é um tema eterno, sobre o qual escrevi vários romances e artigos. Mesmo com as mudanças vertiginosas dos valores, usos e costumes da sociedade, a essência é sempre a mesma: afeto, respeito, dificuldade de convivência, autoridade e amor e derrubada de preconceitos – esta talvez a mais complicada, porque em nada ajuda sairmos feito iconoclastas, quebrando tudo.
Família é aquele terreno onde começamos a nossa trajetória: se for bom e amoroso, teremos mais chance de caminhar com segurança. Se for frágil, onde predominam indiferença e violência, temos mais chance de quebrar a cara e a alma.
Tenho uma amiga, já escrevi, professora universitária nos Estados Unidos, professora Jenny Boylan, casada, dois filhos adultos, que há muitos anos era professor James Boylan. Figura que inspira respeito e afeto, editou alguns livros e criou, com sua amiga (ex-esposa), uma família como poucas em matéria de amor, camaradagem e solidariedade.
É uma história longa e complicada, que deu certo no final. Mas não é o habitual, sobretudo entre nós, país do samba, do futebol e do preconceito. Eu poderia acrescentar da malandragem, do atraso, da miséria, mas também do combate atual contra a roubalheira institucionalizada. Levaremos anos, décadas, para podermos voltar a confiar em autoridades, líderes e em nós mesmos.
Família, escrevi várias vezes, é aquele terreno onde começamos a nossa trajetória: se for bom e amoroso apesar das naturais discordâncias, teremos mais chance de caminhar com segurança e fazer escolhas não muito trágicas. Se for frágil, onde predominam a indiferença, o rancor, a violência, vamos tropeçar mais, com mais chance de quebrar a cara e a alma.
Nesse congresso sobre Direito de Família, o que me impressionou, além da organização e qualidade, foi o interesse, e a preocupação, daqueles especialistas por qualidade de vida, convívio, educação e, digamos, "felicidade" (sei que a palavra anda desmerecida) nas famílias. A dificuldade entre as gerações. A perplexidade e o sofrimento dos pais com relação a droga, bebida, precocidade sexual e diversidade de gênero (a mais complexa).
Nunca foi fácil viver numa família. (Sem ela, em geral, pior ainda.) A relação entre gerações sempre produziu conflito. O que mais se percebe, agora, é a dramática invasão de sugestões, "ensinamentos", ordens quanto à "liberdade" da meninada. Começamos a parecer – mais do que pais ou professores – réus para quem às vezes pretensos especialistas apontam um dedo fulminante. Sendo o primeiro quesito a derrubar aquele sobre o qual escrevi na semana passada ou anterior – a autoridade. Porém, sem um elemento que sirva de apoio e estímulo, ombro, colo, escuta boa, isto é, sem limites, sem regras, sem confiança, nunca amadureceremos. Não seremos capazes de formar positivamente nossa vida, nossa mente, nossa saúde, nosso grupo, nosso país. Eternas crianças mal-educadas, confusas, queixosas, transformando em problema por vezes trágico esse núcleo chamado "família": em que nascemos e que um dia, talvez, vamos construir.
Mas... como obter e exercer minimamente essa "autoridade"? Na próxima coluna, a gente fala.