Uma geração atrás, houve uma moda forte na bolha letrada da universidade, a "literatura comparada". Para botar uma data histórica: foi no ano da graça de 1986, na mui leal e realmente valerosa cidade de Porto Alegre, que ocorreu a fundação da Associação Brasileira de Literatura Comparada. O evento dependeu da decisiva ação de Tania Franco Carvalhal, professora da UFRGS, em associação com professores de outras partes, como Eduardo Coutinho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Era uma rodada nova da história dos estudos literários no Brasil, mais uma vez ajustando o relógio local pela hora europeia. Nada de novo, nesse sentido: foi um momento em que a crítica literária daqui corria esbaforida atrás da novidade das universidades centrais do Ocidente. Para o bem e para o mal, assim tem sido desde sempre, como uma fatalidade para o país periférico.
Aquele novo rótulo sugeria comparar, encontrar vínculos, para além do âmbito nacional. Visto em perspectiva, era um sintoma do fim da Guerra Fria, assim como era a véspera do fim da ditadura de 1964, com seu horizonte intelectual tão rastaquera. Mas era também, para meu desconforto, uma forma de renegar a historicidade da literatura — muitos colegas se rejubilaram por finalmente se sentirem autorizados a esquecer o chão local: a versão eufórica do comparatismo foi o equivalente letrado da patetice do "fim da história".
Estou agora lendo um livro já escrito sob a hegemonia identitária aqui nos EUA, que oferece um modo auspicioso de comparação: uma série de ensaios emparelha o mundialmente famoso Herman Melville (1819-1891), autor de Moby Dick e Bartleby, o Escriturário, entre outros muitos, e Frederick Douglass (1818-1895), homem nascido escravo, autor de uma famosa autobiografia e de discursos e panfletos, que como liberto se transformou num paladino dos direitos dos afrodescendentes em seu país.
Pela forma literária nada os une, tudo os separa; mas postos em seu devido chão histórico podem iluminar reciprocamente um ao outro e ao cenário todo. No posfácio, Kenneth Warren sugere que uma tal aproximação é um ponto de partida para uma nova história da literatura no país.
Seria como a gente aprender a deixar de lado a fantasia do cânone e, mantendo as proporções mas com destemor, perguntar pelas semelhanças e diferenças entre, por exemplo, o consagrado José de Alencar (1829-1877), o maluco criativo Qorpo-Santo (1829-1883) e a impressionante Maria Firmina dos Reis (1822-1917). Onde poderíamos chegar medindo as distâncias entre eles?