Nos tempos coloniais e ao longo do século 19, às vezes ainda depois disso, as ruas costumavam ter nomes relativos ao seu uso, à sua forma ou a figuras ali residentes. Rua da Praia; da Olaria; do Comércio; dos Cachorros; do Cotovelo; do Poço; da Ladeira. Beco do Mijo; do Fanha; dos Guaranis.
Depois da Independência e depois com o advento da República, esses nomes foram mudados para homenagear as figuras e os heróis do novo tempo. A praça do Paraíso virou praça Conde D’Eu e, depois de 1889, XV de Novembro. A Rua da Igreja virou Duque de Caxias. A Rua da Praia passou a ser dos Andradas. A Rua da Ladeira virou General Câmara.
Uma terceira fase desse intenso jogo simbólico viria no pós-Segunda Guerra: nem mais nomes com valor de uso, nem aqueles com valor político, mas designações frias, tecnocráticas. O exemplo supremo desse modelo está em Brasília, com as SQ número tal, as superquadras.
Quem pensou nisso assim organizadamente foi Ángel Rama, um excelente crítico cultural uruguaio. Num livro póstumo, em português chamado A Cidade das Letras, ele evoca essa sucessão a propósito das cidades latino-americanas. E eu me lembrei disso por estar vivendo por um semestre numa pequena (mas cosmopolita) cidade estadunidense, Princeton, Nova Jersey, que tem nome próprio em tudo que é designação pública.
As ruas são como as nossas, nomes de grandes figuras, em geral, com algum resto de nomes de uso — tem estradas chamadas Battle (batalha) e Cold Soil (solo frio), tem a Lovers Lane (beco dos amantes) e a Main Street (rua principal). Mas no ambiente universitário a coisa muda: a imensa e maravilhosa biblioteca se chama Firestone — "você já conheceu a Firestone?", se pergunta ao que chega. O prédio em que dou aulas se chama East Pyne Hall. O Davis é o centro que lida com as relações internacionais. A parada de ônibus (elétrico) se chama McCosh Walk, porque designa uma calçada, um caminho, ali perto.
Ángel Rama não pensou nesse modelo de designação: nele, não é pelo uso ou aspecto, nem pelo heroísmo, nem pela letra fria da burocracia — é pela grana mesmo, a grana doada para a universidade por um ex-aluno bem-sucedido ou qualquer outro nababo que queira, ao mesmo tempo, retornar para a comunidade uma parte do que acumulou (com receio de perder demais na hora de pagar os impostos da herança, também) e eternizar seu nome na placa.