Pessoas constroem abrigos, e ao construí-los constroem mais que isso, no mundo que vem depois da mera sobrevivência. Se for só pra sobreviver, o sujeito empilha o que calhar, isola um dentro de um fora, arranja uma cobertura que resista à chuva e era isso.
Mas ao erguer uma casa ou um prédio, de um armazém de beira de estrada a uma pirâmide, o sujeito estará construindo mais que um abrigo: estará também dando forma a um símbolo e tomando a palavra publicamente. Pode ser uma coisa elementar e direta, como pintar a casa de vermelho e branco para declarar adesão ao Inter, ou pode ser uma coisa sofisticada e alusiva, como erguer um prédio extravagante com vidros espelhados, que também significam.
Estou me metendo de pato a ganso nessa conversa, porque não tenho formação nem leitura suficiente para avançar muito sobre esse terreno arquitetônico. Mas me ocorreu comparar dois movimentos públicos relativos a construção, na Porto Alegre de nossos dias.
Um deles tem sido cíclico: o Acampamento Farroupilha. Há alguns anos, já bem depois que o adjetivo perdeu e ganhou conteúdos que nada mais evocam do significado guerreiro, a cada virada de agosto para setembro são muitas dezenas de pessoas que dedicam seu tempo a levantar o que, em outro contexto, poderia ser considerado habitação precária, mas que ali figura como um símbolo: casas de madeira, para uso coletivo, telhado singelo, decoração que faz questão de expor coisas antigas e desusadas mas de algum modo queridas, porque trazem as marcas de tempos passados e sugerem trabalho manual.
O Acampamento repisa o gosto e o apreço pelo artesanato, que está associado a uma vida mais autêntica, menos tecnológica, mais a cavalo do que de carro, pelo menos imaginariamente.
Bem outro é o recado que se pode ler na declarada intenção de erguer, no alto da Duque, um prédio de dezenas de andares, prédio que uma vez erguido manterá à sombra a catedral e o palácio do governo estadual por muitas horas. Será também ele adornado com espelhos e outros espalhafatos?
O que se pode ler nessa outra construção? Fico tentando decifrar o recado que querem passar os idealizadores dessa pequena monstruosidade, que se soma a algumas outras de construção recente. "Olhem para nós, vocês que não vivem nem trabalham aqui dentro; vejam nosso tamanho, vejam como destoamos de todo o entorno, como realmente arranhamos o céu!"
Não consigo saber a quem pretendem dirigir essa ou outra mensagem. De dinheiro, a julgar pelas marcas envolvidas, não se trata; se tratará de busca de fama? De distinção? De rompimento com a cidade?