Luis Fernando Verissimo – O Filme (2023), de Luzimar Stricher, está começando a circular. Tive a chance de vê-lo esses dias e, por causa dele, repassar o tamanho e o alcance da obra do homenageado. Por anos a diretora veio acompanhando o mais que pôde a vida pública e a familiar, colhendo depoimentos de parceiros, colegas de ofício, comentaristas, uma penca de gente que comparece para ajudar a dimensionar a obra.
Ou as obras, no plural, para ser mais preciso. No campo do texto, tem milhares de crônicas (de costumes, sobre política, a respeito de futebol), centenas de contos, um punhado de romances, críticas e relatos de viagens, mais os incontáveis trabalhos de propaganda e os roteiros para televisão e para quadrinhos (do Analista de Bagé e do Ed Mort). No campo do traço, tem charges e tiras. Na música, tem a participação do mesmo autor tocando seu sax. É coisa que não termina mais, e em quase tudo o toque do gênio modesto. Uma celebração merecida, que nos alerta para o tamanho desse artista.
Uns dias antes, assisti a Casa Vazia, longa de Giovani Borba. Impressionante é a primeira coisa a anotar aqui, porque a figura do gaúcho de bicicleta, percorrendo campos do sul do Estado em busca de emprego ou em visita a familiares, impõe a lembrança das consagradas figuras do gaúcho “monarca das coxilhas”, consagrado em nossa versão ufanista, e do gaúcho a pé, igualmente consagrada na versão crítica e algo depressiva definida especialmente na literatura de Cyro Martins.
O filme é lento, recurso que não tem nada de despropositado justamente porque sua razão de ser está em dar protagonismo a esse sujeito quase sem alternativas, abandonado pela mulher e pelos filhos, sem emprego e com escassas relações sociais. Tão sem caminhos que oscila entre participar de roubo de gado e engajar-se numa milícia privada para combater o mesmo roubo.
O filme não resolve nada sobre esse evidente dilema ético, e tem a virtude de nem idealizar, nem demonizar o tipo humano retratado. O gaúcho pobre que ali aparece como protagonista é insondável – talvez tenha vida interior intensa, se por acaso tomasse a palavra para quem sabe contar alguma experiência, mas talvez seja mesmo uma pobre alma sem luz. Como aliás Cyro Martins postulava: “A vida interior da gente esfalfada a que acabei de me referir é geralmente como a sua roupa, de extrema indigência”, lemos em famoso ensaio seu, Visão Crítica do Regionalismo, de 1944.