Assisti, pela quarta ou quinta vez na vida, ao sensacional filme Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola. Lançado em 1979, foi uma bomba no modo como os estadunidenses (que se chamam graciosamente de "americanos", como donos exclusivos do domínio semântico da palavra) viviam a guerra do Vietnã e as guerras em geral, em sua interminada condição de sede do poder imperial do planeta. Para todos os que viveram suas imagens e sons, inclusive no Brasil, foi uma experiência transcendental.
Revi o filme já sem a inocência da primeira vez. Li e reli há anos o Coração das Trevas, a impressionante novela de Joseph Conrad (de 1899) que constitui a espinha dorsal do roteiro de John Millius e Coppola; idem o apocalíptico poema Os Homens Ocos, de T. S. Eliot, que o coronel Kurtz, vivido por Marlon Brando, recita em parte nos momentos finais do filme. O poema, de 1925, tem como epígrafe uma frase do livro de Conrad – “Mistah Kurtz, he dead”. Uns quantos círculos concêntricos nascem do filme.
Lá por 1994 revi o filme e o documentário sobre ele na casa de meu amigo Luiz Sérgio Metz, o Jacaré, que viria a falecer em 96 e era um fiel admirador do mesmo pacote, com destaque para a poesia de Eliot. Vimos como quem entra numa catedral barroca, em que a atenção passa do detalhe para o conjunto, sempre com a sensação de não dar conta de sentir tudo que está sendo solicitado.
Revi agora na versão redux, lançada em 2001. Sequências inteiras que não haviam entrado antes agora estão ali, às vezes dispersam o andamento narrativo mas às vezes acrescentam camadas novas de sentido. E que tremendo foi o espetáculo privado, cá na minha cabeça, de rever momentos marcantes, como a chacina ao som da Cavalgada das Valquírias e ao cheiro de napalm, para que um coronel altivamente assassino pudesse liberar o mar para ver um garotão surfar.
Tem também o susto de perceber como a memória trai. Tinha certeza, por exemplo, que a gente ouvia no filme Purple Haze, na gravação inesquecível de Jimi Hendrix. Não toca!
E outra novidade estranha: desta vez, chorei duas vezes no primeiro quarto do filme. Conhecia as cenas, lembrava delas, nunca tinha chorado antes ao vê-las, e agora chorei. A maturidade fez isso? O fato de estar vendo o filme com meu filho de 16 anos, interessado em conhecer o clássico? Por estar aqui na terra do Tio Sam? Apenas a constatação de que o futuro do filme continua a impor os mesmos horrores?