As coisas mudam, no devagar depressa dos tempos. A frase é do narrador de A Terceira Margem do Rio, conto de Guimarães Rosa, publicado em seu volume Primeiras Histórias, de 1962. (Cumpre lembrar que este não era o primeiro livro do autor, que na altura tinha já um livro de contos bem-sucedido, Sagarana, mais aquele seu monumental Grande Sertão: Veredas e o impressionante Corpo de Baile, com sete novelas extraordinárias. Então por que "primeiras"?)
Finda outubro, começa novembro, daqui a pouco viraremos o calendário e já estaremos instalados, gostando ou não, em 2024, por sinal outro ano de eleição, no mesmo mundo tumultuado de agora e dos anos mais recentes.
Na Argentina, daqui a pouco saberemos se com a eventual vitória do maluco do Javier Milei os argentinos ganharão o direito de vender um rim, um pedaço do fígado ou um braço a preço de mercado, em nome de instalar o liberalismo no país.
A voga identitária tem estado no comando da discussão acadêmica nas áreas das artes e das humanidades, trazendo de mãos dadas uma série de justas reivindicações de combate ao racismo e a outros preconceitos, de um lado, e um conjunto de demasias estarrecedoras, de outro. A Ucrânia segue ocupada violentamente, os palestinos continuam sem direito a um Estado soberano.
Mas o que eu queria mencionar aqui tem zero a ver com isso tudo: eu comecei pensando em celebrar a Feira do Livro, na praça de novo, agora com a inspiração de seu patrono, a grande figura humana (e literária e fílmica) do Tabajara Ruas. Chega novembro e Porto Alegre fica com um ar de quermesse de novo, por causa da Feira. Eu não vou poder experimentar essa singela alegria, neste ano, porque estou fora do alcance, e isso pode crer que me dá uma ponta de tristeza.
Por quê? Porque eu sempre vou à Feira para encontrar livros e pessoas. Sem forçar nenhuma barra, bastando apenas ir até a Alfândega, a cada ano reencontro amigos e conhecidos, assim como me vejo com desconhecidos interessantes, em meio às barracas e aos livros.
Se não reencontro uns e outros, me dou conta de que em meu coração estão registrados para sempre momentos de alegria genuína, como a de saudar o Rui da Palmarinca, falecido uns poucos anos atrás, que no entanto eu sempre lembro quando vou à Feira. A Feira é a memória do que já foi, a vida que é e se refaz, o anúncio de que estamos renovando nossas energias para o futuro.