O tema do humor é daqueles encantadores, mas fugidios: mal a gente pensa em lidar com ele, logo nos assalta a sensação de estar perdendo alguma coisa essencial. Humor é igual a piada? A gente ri com a barriga ou com o cérebro? Faz diferença?
Quando estudei a crônica de Nelson Rodrigues – em si mesma cheia de humor –, em conversa sempre instigante com Aníbal Damasceno Ferreira, cheguei a mergulhar em teóricos do humor. Não tinha ilusão de chegar a uma definição total, mas viajei por algumas reflexões interessantes. (Se interessar, o resultado está num livro meu, Inteligência com Dor – Nelson Rodrigues Ensaísta, da editora Arquipélago).
Agora saiu um livro precioso no campo: Da Revolução do Stand-Up à TV Pirata (editora 7 Letras), com um subtítulo que esclarece o foco do trabalho – Comédia e Sociedade no Brasil, Estados Unidos e Inglaterra. O autor é André Boucinhas, historiador e professor de História, de ofício, com um excelente doutorado em Literatura Brasileira e, no que interessa mais aqui, redator de humor, com trabalhos para a Globo e o Porta dos Fundos.
Um dos grandes méritos do livro cumpre a promessa de desenhar os nexos entre comédia e história, fornecendo o pano de fundo político e ideológico do tempo posterior à Segunda Guerra, quando Mort Sahl inventou o stand-up tal como o conhecemos, no contexto do macartismo, aquele medonho episódio de caça às bruxas que emporcalhou a cena cultural norte-americana.
O ponto de chegada é o saudoso programa da Globo TV Pirata, que é também o ponto de partida pessoal do autor, que era menino naqueles tempos de abertura política brasileira. Mas até chegar lá o livro estuda Monty Python e Steve Martin, para citar apenas dois casos de língua inglesa, assim como repassa o humor televisivo e impresso entre nós, de Millôr e Sérgio Porto a Luis Fernando Verissimo, de Juca Chaves ao Casseta e Planeta, da Família Trapo ao TV Pirata, entre outros.
Tudo isso com as mediações cabíveis, indo da estrutura das piadas (por exemplo, a abolição da punchline em certo momento) ao contexto político (mais aberto ou mais conservador), tudo isso num texto fluente que vai puxando pela memória de leitores e telespectadores e dispondo as coisas no fluxo dos contextos dos três países.