Chupim é um passarinho e figuradamente é o sujeito que vive às custas de outrem. Mas aqui estamos falando de outro chupim: o livro Adriano Chupim, uma ótima novela de Paulo Damin (Martins Livreiro Editora).
O livro é muito divertido, em deboche e em autodeboche. (Todo grande humor é um pouco autorreferente.) São quatro seções: Bugio, Vaneira, Chamamé e Milonga. Quatro gêneros musicais daqui da terra, como sabem os que sabem. Atravessando as quatro partes, a história do personagem-título, um camarada nascido e criado num subúrbio de Caxias do Sul, a Sexta Légua, que fez faculdade em Porto Alegre e retorna ao torrão natal no começo da narrativa.
Vai tomar conta da pequena propriedade herdada. Sua cabeça oscila entre uma certa consciência crítica da modernização abrupta vivida pela região, em todos os sentidos, e um certo interesse num projeto de separatismo do Rio Grande do Sul, com base na cultura gauchesca. Mas já aqui a coisa deixa de ser simples de descrever, porque o Chupim não é exatamente um independentista, embora se interesse pelo tema assim que uma moça, Fran, aparece na trama identificada com esse ideário.
Seus amigos, uns dali mesmo e outros conhecidos na Capital, são o Nata, o Diogo, o Denilson. O Chupim pensa em cultivar erva-mate em modo tradicional, mas nem isso é tão forte que possa servir de norte para sua vida. Nada, aliás, é totalmente sólido no relato, que carrega traços de humor por tudo, especialmente quando o Chupim e o Diogo empreendem uma viagem, num Celtinha baleado, entre o litoral atlântico e o litoral do Rio Uruguai, em Uruguaiana.
Uma viagem que mescla a fantasia identitária, sempre trazida ao texto na memória dos personagens mediante a citação de letras de músicas gauchescas, com um realismo pé na terra, que fala das dificuldades concretas de gente meio extraviada como os protagonistas.
Não sei se consigo dar uma notícia boa do livro ao dizer isso. Talvez só me reste dizer que me diverti muito pela agudeza das observações sobre a cultura atual, seja a gauchesca, seja a gringa serrana, seja a pop internacional, seja a porto-alegrense em sua pretensa condição cosmopolita.
Digo de outro jeito: trata-se de uma mescla de romance picaresco com passagens subterrâneas de romance de tese (porque os personagens discutem ideias mesmo, sobre identidade cultural, horizontes de vida, etc.) e um tom geral de farsa, mediante o manejo excelente dos vários registros da linguagem praticada cá no Estado. Quer dizer: muito, muito bom!