Tenho certo pudor em falar de certas coisas pessoais aqui, em público, mas creio que o presente legitima a ultrapassagem desse limite. Ocorre que domingo (30), quando foi anunciada pelo TSE a vitória de Lula sobre o atual presidente, desabei no choro. Me abracei no meu filho, que me consolou.
Na noite de sábado para domingo, eu havia perdido o sono imaginando cenários variados do resultado. Aquela deputada federal paulista maluca, de arma na mão, não me saía da cabeça. No pesadelo, ela fazia par com um tio bolsonarista, que há tempos foi muito importante para mim, mas há poucos meses desejou por escrito a morte de gente como eu.
(Sim, também me alegrei com a vitória de Leite sobre o perverso negacionista local. Penso, desolado, que esse negacionista tem formação em medicina veterinária. Deve ter aprendido algo sobre vacinas, imagino que recomende vacinas para os animais que trata ou tratou. Então, como entender sua defesa da não vacina, senão como submissão mental ao seu chefe?)
Há todo um país para reconstruir; o próximo governo será complicado, sem ir mais longe pelo estado em que o atual governo deixa as contas – em algumas semanas, espero que a reportagem nos conte com detalhes o quanto o governo gastou para tentar uma reeleição que não veio. Me consola um tuíte de Antonio Tabet, o humorista do Porta dos Fundos, um antipetista que defendeu o voto em Lula para derrotar o negacionista federal: “Ganhar roubando já é um constrangimento. Perder roubando então...”.
Como vai ser a coisa no plano das relações cotidianas? Penso no meu caso pessoal: vivo com poucas, escassas interações necessárias com eleitores dos derrotados, mas tenho parentes convictos. Terei o que dizer a eles, caso a gente se encontre daqui por diante? Eles me olharão como um perverso tanto quanto são claramente perversos os desígnios dos candidatos que eles sufragaram?
Esse mix de anticomunismo (rastaquera, velho, sem sentido prático algum, mero fantasma), repulsa à ascensão social de pobres, racismo, medo pânico do homoerotismo, na cabeça e no coração desses parentes, sobreviverá por cima das e contra as evidências da destruição dos controles ecológicos, da apologia às armas, da pura e simples falta de compostura?
De domingo para segunda dormi bem, mas não consegui resistir ao impulso de ligar o celular, num despertar espontâneo pelas três da madrugada, para conferir se algo horrível estaria rolando. Apesar das interrupções de estradas por gente que eu não sei como entender, dormi de novo.