Ela era tímida e bondosa, procrastinadora e delicada. Como o poeta, perdia sua vida por delicadeza, quando se tratava de não ofender, não magoar, não aborrecer. Era uma leitora que se deixava levar por romances, especialmente aqueles em que podia soltar a imaginação romântica. Foi dela que aprendi o gosto por esse abandono ao devaneio, com um livro nas mãos.
Teve uma história pessoal marcada por tristeza, em paralelo com um sentido de inferioridade social e pessoal fortíssimo. Não era ressentida, mas cultivava velhas penas como se fossem uma riqueza.
A relação com sua mãe foi tensa, toda a vida, até quando dela cuidou, na reta final. O pai, durão com os filhos, a chamava de gata, talvez por ser arisca e bonita de admirar — mas esses motivos sou eu que estimo, não ouvi dela.
Aliás, agora nunca mais vou poder perguntar, nem isso nem nada mais. Os nomes de todas as flores do mundo, os nomes dos pontos de crochê e bordado, os nomes e as características de todos os parentes e vizinhos, de todas as épocas. A técnica de fazer compotas e conservas, que ela não costumava fazer, mas sabia.
Tinha uma alma lenta, que se deslocava com muita tardança, embora tivesse grande abertura para ouvir e acolher. Aliás, acho que era uma ouvinte de excepcional qualidade.
E gostava de música. Era afinada, impostava discretamente a voz e acompanhava valsas, sambas antigos, marchinhas. Mas isso muito raramente. Viveu sob a asa de uma depressão acho que moderada, mas interminável. Na minha infância, me dava grande alegria quando desenhava, casas e coisas que me pareciam perfeitas, também por acontecerem tão raramente.
Não se permitia muitas alegrias e encarou fardos pesados, como aquele de enterrar um filho, ele aos 42 anos de idade, ela com uns 70. Ia completar 85 verões, mas morreu dia 6 último, minha mãe, Zélia Maria, depois de um declínio físico que durou ano e meio — ela sempre lúcida, lembrando de tudo, com detalhes.
Ela e suas frases enigmáticas, por exemplo quando me pedia para ir comprar tomates na fruteira do Seu Elias. Como escolher? "Escolhe uns mais firmezinhos". Mais, mãe? Mais do que o quê? E quantos? Mãe?