Uma cidade se liga ao mundo de variadas maneiras. Consideremos o caso dos 700 anos da morte de Dante, dias atrás. Poeta que definiu o italiano como língua escrita, celebrado em toda parte, autor da façanha chamada Divina Comédia, ele nem poderia sonhar com Porto Alegre, com o Brasil, que jaziam ainda no ventre de seu futuro. Pois nesta cidade, neste ano, nada menos que três publicações honram sua memória de modo sublime – publicando livros em torno da obra dantesca, em editoras sediadas aqui mesmo.
Poeta comprovado, estudioso das artes, ensaísta, professor a vida toda, Armindo Trevisan lançou pela AGE Por Uma Leitura Atual da Divina Comédia, de Dante Alighieri. Com erudição isenta de pedanteria, como sempre, Trevisan oferece várias chaves para ingressar nesse monumento que é a Comédia, um desafio que em geral apenas leitores especializados enfrentam, dificuldade que o ensaio contorna mas não nega, sabiamente.
Pela editora Libretos, sai uma publicação linda, com imagens fac-similares, da tradução que Eduardo Guimaraens produziu cem anos atrás para o Canto Quinto do Inferno, a primeira parte do poema. Neste Canto, o poeta-personagem Dante chega ao segundo círculo do Inferno e ali encontra Minos, o rei cretense, que recebe os que ali chegam e, como juiz, os distribui pelos diferentes andares infernais. No Quinto vão se localizar os luxuriosos – Dante está banhado da visão cristã medieval, em que os pecados são parte forte da ética –, entre os quais vão figurar Paolo e Francesca, o trágico casal de amantes.
A mais original das publicações é o livro de Gilberto Schwartsmann, com sensíveis ilustrações de Zorávia Bettiol, publicado pela Sulina. O nome já anuncia: Divina Rima – Um Diálogo com a Divina Comédia, de Dante Alighieri. E é isso mesmo: o autor escreve como um caderno de notas de leitura do livro homenageado, mas, atenção, um caderno escrito na forma original de Dante, a “terza rima”, estrofes de três versos com seu peculiar esquema de rimas. No andar do texto, Schwartsmann confessa hesitações, cita livros que leu, resume o enredo e repassa a biografia do poeta, enfim passeia por esse monumento, de modo gentil e inteligente. Que feito!
Se o leitor não se comover de orgulho localista com essas demonstrações, não sei o que mais o moveria. Numa mesma cidade, ao mesmo tempo, três homenagens cultas e, insisto, democráticas, focadas em divulgar e proporcionar o acesso ao monumento ocidental de Dante. Que espetáculo.