O amigo é um instante da eternidade, disse Nelson Rodrigues. A experiência da amizade suspende o tempo: com o amigo, o momento e o século são a mesma coisa. Uma semana atrás me despedi do meu amigo mais antigo, aquele que há mais tempo conheci e acompanhei. Tínhamos oito anos e fomos colegas no Colégio São João, no tempo em que lá só estudavam meninos. A turma tinha, acredite, 57 alunos inscritos. Terceiro primário, 1966.
Olho para nós dois na foto, com mais outros, muitos dos quais nos acompanhamos pelos anos escolares. Nenhum como o Cajo, por extenso Antônio Carlos Rizzo Neis. Adulto, ele foi professor de Geografia, matéria que o apaixonava desde os tempos da adolescência.
O amigo que morre leva junto um tanto de nós mesmos
Quanto aprendi com ele e dele? Se quisesse faria uma longa enumeração. Aprendemos a tocar violão no mesmo momento. Nossa turma na piscina e no Carnaval do clube era a mesma. Acampamos juntos. Fizemos artesanato, nós e o Roque. Frequentamos os mesmos movimentos jovens, que a partir de certo momento se aproximaram da esquerda católica, contra a ditadura, de ouvido atento à Teologia da Libertação. (Alguns daqueles camaradas viriam a votar no inominável – mas não o Cajo, nem eu.)
Aos 15 anos escrevemos a quatro mãos, atravessando uma noite, uma peça teatral de certo sucesso no colégio, em que três hippies se chapavam (abstratamente), e ao som de Pink Floyd (The Dark Side of the Moon estalando de novo) assistiam atônitos a uma discussão entre um grego e um romano, disputando entre si qual seria a civilização mais interessante. Sim, era um trabalho para a disciplina de História. O Cajo sempre foi mais criativo que eu, e menos inibido para uma série de ações.
A vida nos manteve longe, como ocorre com adultos, mas sempre nos confortava um carinho certo e recíproco, e a certeza exata de que a qualquer momento íamos retomar a conversa no mesmo ponto em que tinha parado, um mês ou 10 anos antes.
(O choro da dona Lígia e do seu Leo, a tristeza dos irmãos, das filhas, de amigos: coisas inapagáveis, que ecoam a morte do meu irmão, 14 anos atrás.)
O que eu não sei agora é como vou fazer quando quiser conferir certas lembranças. Para quem vou perguntar? Ninguém mais partilhava comigo tantos momentos decisivos dos meus verdes anos. O amigo que morre leva junto um tanto de nós mesmos.