Lacônia do Sul fica perto. Sabe essa cidade? Meio crescida, meio pequena, endereço dos parentes ainda em contato ou já perdidos no tempo, terra natal das gerações passadas mas também casa de gente viva que lida com os impasses, dá cabeçadas e cotoveladas para não sucumbir às mazelas da vida provincial.
Pode-se ser feliz em Lacônia? Certamente. Mas é batalha constante, porque a vida, a vida plena, a vida que vale a pena parece estar sempre noutro lugar, noutro ponto, lá onde não estamos. Porto Alegre pode ser Lacônia, se o sujeito achar que o que importa mesmo ocorre só em São Paulo. Mas pode ser São Paulo, se o cara achar que a vida verdadeira está em Nova York ou, bá, em Miami. (E pode também ser Nova York, se for domingo à tarde e o cara achar que a vida mesmo está lá em uma Lacônia.)
Essa Lacônia do Sul está retratada de corpo inteiro num romance de valor, Engole esse Choro, de Laura Peixoto (editora Libélula). A protagonista é Eleonora; é sua a vida que estrutura o passar do tempo, desde sua infância ingênua, nos anos 1960, com brincadeiras de miss com vizinhas e uma casa estruturada em moldes convencionais (pai, mãe, irmãs e uma empregada que vive na casa e que é uma das grandes personagens — e mais não dá pra dizer aqui), e sua adolescência nos anos 1970. O ponto de chegada é o futuro da protagonista, em 2019, representado por sua neta.
O romance tem andamento desigual. Em parte dele, mergulhamos no varejo da vida miúda de Lacônia, com professores e colegas, vizinhos e prefeito, fofocas e segredos, mortos insepultos e pequenas alegrias aldeãs, rotina muita e escassa novidade, enfim aquele horizonte acanhado que é da cidade mas é também de Eleonora. Uma coisa sufocante. Mas lá pelas tantas começam a ganhar corpo os aborrecimentos da ditadura militar e o crescimento da cidade, a segregação social e racial, e quando vemos chega o terço final do livro, em que coisas antes apenas sugeridas ou insinuadas ganham a luz do dia.
Há um adensamento dramático e o romance encorpa, com o desvelamento de segredos pesados, que vinham sufocando os personagens, a cidade e até o leitor. E tudo se esclarece, discreta e efetivamente, na hora em que a liberdade é conquistada pelas novas gerações, encerrando uma pesada saga de mulheres caladas, que engoliram choro a vida toda.