Trabalho dos mais interessantes, no mundo editorial brasileiro, está sendo desempenhado pela Editora Popular Venas Abiertas, de Belo Horizonte. Fundada em 2018, ela tem como razão de ser aumentar a presença de escritores periféricos em todo o país. Aqui do sul, ela publicou o primeiro livro de José Falero, Vila Sapo, e recentemente Aqui Dentro, da Nathallia Protazio, este uma joia que não vou elogiar aqui porque já faço seu elogio na apresentação que tive o gosto de fazer.
Na mesma coleção deste Aqui Dentro, Dalva Maria Soares tem o seu Para diminuir a febre do sentir. O nome tem uma indicação já do gesto que no fundo se lê em todos os livros do selo: escrever, primeiro de tudo, está ligado diretamente à vida real e, segundo, alivia as dores da vida. Não se trata de força de expressão, mas de reivindicação: o livro da Dalva Soares quer ser lido como ligado à vida, como dependendo da vida.
São crônicas de tom memorialístico, em levada de conversa, que dão a nítida sensação de que, entre outros bons e ótimos serviços que o livro oferece, está o de estampar, para o leitor de agora e do futuro, um depoimento que raras vezes a literatura vinha oferecendo. A gente vai lembrar os casos esporádicos e agudos de Lima Barreto, de João Antônio, de Carolina Maria de Jesus, de Oswaldo de Camargo, de Paulo Lins, de Ferrez: prosa aderida à experiência dos de baixo, dos negros, das mulheres, prosa que dá a ver na medida em que vê.
Nos textos da Dalva, dá gosto de ver a intimidade e a fluência que ela estabelece entre o relato de sua vida e o registro da literatura. Mineira, nada a espantar que suas crônicas peguem na mão de Guimarães Rosa, de Adélia Prado, de Drummond. A boa sensação é justamente perceber que, sem poses ou manchetes estridentes, a palavra escrita salva — permite essa irmandade entre diferentes tempos, pessoas e lugares, e joga uma boia para os febris.