Federico, meu filho, a inveja é uma droga. E se humano que és, ela virá, impávida como Lukaku, tranquilo e infalível como Hazard. O leite já está derramado no chão, Neymar deve estar por ali e xingado porque não fala, porque é o menino Ney. Gabriel Jesus já foi crucificado, mas deve voltar firme e forte em 2022 bem próximo da terra do cara que deu seu nome. Tite vai sentar no divã e falar. E vai achar as dores do mundo que o tiraram da Copa. Está tudo certo, Federico.
Só não está certo o que o seu pai está sentindo agora. Porque seu pai está na Copa, Putin está perto dele, mas seu pai, Federico, não está na semifinal da Copa. Os belgas estão. Você sabe que eles fazem uma bela cerveja. Ainda não é a idade de você sorver boas ales. Você tem apenas três meses e é bom focar em tetas — da sua mãe — e em leite em pó com água morninha. Há algo de podre no coração do seu pai, porque ele está de olho grande na Bélgica. O nome disso é a inveja já citada no começo.
Difícil explicar essa coisa para você, mas todo cuidado, filho. Porque você a terá. E como tudo na vida, às vezes, um sentimento ruim vira algo mágico. Basta sagacidade. Porque a limonada vem do limão amargo. É isso, Federico. Vamos à receita: pegue a inveja e a analise. Exemplo de hoje: a geração belga. Seu pai queria o número 9, aquele negro maravilhoso, poliglota, no time dele. Hazard seria o 10. De Bruyne o 7. Mas seu pai não os têm, Federico.
Qual o jeito? Lidar com a inveja e trabalhar. Entender como pode um cara gigante como esse centroavante correr tanto. Como a inteligência em todos os atos do 10 ocorre. Como os chutes cruzados do ruivo/loiro ponteiro belga e do time de Guardiola podem ser tão certeiros. E o seu pai terá que trabalhar isso.
Quando a inveja vem, meu filho, basta trabalhar. Porque, ninguém lembra, essa mesma geração vermelha esteve no Brasil na Copa das obras inacabadas. E fez fiasco, voltou para a Europa abaixo de carraspanas belgas, abaixo de laço. Engoliram, baixaram a cabeça, deram entrevistas, falaram com o povo belga através da voz — e talvez Instagrams — e agora jogam uma semifinal de Copa.
A vida é ingrata. Porque se os metidos franceses passam, tudo volta na terra da cerveja e meta-lhe pau no Lukaku, que aí volta a ser filho de imigrantes congoleses e não mais belga. Belga só nos louros (vide frase do próprio)!
A inveja, filho, é uma droga. Mas ela, se bem digerida, lhe transforma num suado lutador. Aquele papo batido de sempre que quando você vê o cara com a taça e a medalha não viu ele no chão trabalhando. Levante do solo, Neymar. Trabalhe. Faça o mesmo na vida, Federico.
Não tem outro jeito. Se vier a inveja, coma-a e volte quatro anos depois atropelando Paulinhos e Fernandinhos que vierem pela frente. Com categoria. Porque antes dessa arrancada de Lukaku do próprio campo, antes do passe para o De Bruyne, antes de tudo isso, eles eram os invejosos.
E hoje eles são os felizes. E ainda hoje, Mbappé pode destruir com tudo. E domingo alguém destruir Mbappé.
Nada como o futebol para ensinar coisas da vida. Nem a vitória é eterna e, que bom Federico, as tristezas se resolvem com labuta. Se tiver outra saída, filho, ensine para o seu pai quando ele for velhinho, lá adiante. Eu duvido muito que você me conte algo diferente. No final, Federico, tudo é como narrou um dia Galvão Bueno. Foi uma prova de natação de Michael Phelps, um homem-peixe que existiu na Terra:
Vai perder! Vai ganhar! Vai perder! Vai ganhar... Perdeu! (pequena pausa) Ganhou!!!
Potter está na Rússia para cobrir sua terceira Copa do Mundo. De lá, ele mandará cartas ao filho, Federico, que tem três meses e ficou no Brasil. Acompanhe as cartas aqui na coluna.