Federico? Seu pai anda angustiado.
E nem é com um furúnculo que o abastece de dor e o tornou um fazedor profissional de curativos aqui na Rússia. É com algo mais, digamos, sério no Brasil atual. Vou falar de sopetão: seu Pai está torcendo para a Seleção.
Sim, isso pode ser um crime. O Brasil de 2013, 14, 15, 16, 17 e 2018 está doente. E qualquer assunto vira discussão, meu filho. Porque todo mundo acha que tudo, absolutamente tudo, é discussão política. Torcer – ou não – pela Seleção virou isso.
Pois aqui entra algo muito sério, Federico. As coisas não devem ser tão complexas assim. E para lidar com esse imbróglio basta pensar da maneira mais simples possível. Assim: se eu torço para que Marcelo drible e coloque na cabeça do Gabriel Jesus, quer dizer que sou fascista? Não. Quer dizer que sou comunista porque a Copa é na antiga União Soviética? Não. Quer dizer que você quer um gol. E só.
Mas não seja ingênuo, filho. Todas as coisas são políticas. Todas. A sua vida será. Futebol e política se misturam sim. É fato, é história. Mas, cuidado para não ser um bruto. Isso é burrice. Uma Copa é um mar de metáforas. E não se dobrar e ser carinhoso com ela não é política. É chatice mesmo.
Porque a Copa tem o vestiário japonês todo limpinho depois de uma eliminação doída. E nele, os japas deixaram origâmis e um "obrigado" em russo. Na Copa tem a dor dos eliminados, a alegria infantil dos classificados, os craques, os memes, as piadas, o bar cheio de assunto, o grupo da família sendo leve antes das piores eleições que o Brasil viverá em todos os tempos. Porque, você ainda não sabe, meu filho, mas em outubro casamentos acabarão, famílias ruirão, amizades minguarão e o caos será normalidade nas relações humanas. Tudo porque as pessoas votarão em candidatos diferentes umas das outras.
A Copa é leve, meu filho. Ela é o prazer de quem aprecia o jogo todos os dias, o deleite de quem só olha a bola de quatro em quatro anos. Ela ensina que trabalho duro e coração conquistam muitas coisas. E que se perde também tendo coração e suor.
Não endureça a alma, Federico. Não se misture com essa rapaziada que petrifica até o que não se deve. Viva as coisas como elas são. Mas, se for para politizar a vida, politize. No ambiente certo. Na hora certa. E só se precisar. Use essa bala chamada democracia sempre que desejar. Mas não seja o chato da turma. O birrento do grupo.
Tenha capacidade de lidar com essa mistura explosiva com sabedoria. Vão tentar estragar o seu desejo de um cruzamento do Marcelo encontrar a cabeça de Gabriel Jesus contra a Bélgica. Não deixe.
Porque a dona do que você pensa é essa linda cabecinha careca por fora, cheia de vontade de falar algo mais que "agu" por dentro.
Nada mais democrático que torcer por uma Seleção. E, se alguém transformar esse seu ato em algo político, devolva um sorriso carinhoso, filho. E se afaste devagar, com ternura.
Deixe, democraticamente, os chatos em uma outra mesa. Depois do jogo de futebol você pode continuar querendo mudar o mundo. Porque cambiar isso tudo com ternura, por incrível que pareça, é mais possível.
Já tem gente demais gritando. E ninguém se ouvindo.