Nem sei se ela existirá ainda quando você tiver noção das coisas. Tudo muda em desabalada carreira. É um horror. Mas a que existia em 2018 era um perigo. Principalmente na Copa, meu filho. Porque a internet é capaz de criar memes que você rirá sempre e ao mesmo tempo escorrer o esgoto do mundo moderno. Porque todo assunto vira uma ladainha sem fim (os mais jovens dessa época que lhe escrevo classificavam como mimimi).
O problema disso tudo é o ódio. As pessoas têm ódio. E elas odeiam muito no futebol. Elas, Federico, querem que o outro time seja transformado em um clube de várzea, que os outros torcedores sejam espancados, que jornalistas que opinam contra uma ideia futebolística delas seja demitido, depois empalado. Em praça pública, num live do YouTube. Seu pai sofre com isso.
Todos os dias, meu filho, eu leio que sou um merda. Ops. Desculpa a palavra feia. Papai está passando limão na língua agora de castigo, pode deixar! Não que eu ache o contrário, meu filho. Seu pai realmente erra muito, dá opinões bobas, infantis, mas seu pai tenta, diariamente, ser leve. Se errar, corrigir na mesma praça do empalamento. Mas até isso tudo acontecer "O Tribunal da Quinta-Feira" já julgou, condenou e empalou – procure no Google o que é essa tortura medieval (aliás, será que o Google será tão importante assim quando Federico crescer ou as crianças terão um chip na cabeça que já sabe de tudo?).
Em Copas, as pessoas desfilam seu amor. E também sua inconformidade. Tudo certo. É assim que tem que ser. Na internet, meu filho, tudo pode. Mas o mais inacreditável é que no meio de uma cachoeira de coisas boas, de águas cristalinas de belos posts, de histórias maravilhosas de jogadores e torcedores que tratam a Copa como uma santuário de diversão e leveza. Porém, uma ínfima parcela transforma o torneio no certame do ódio. Rabugentos que são, reclamam de tudo, têm vidas que classificam de desgraçadas e atrapalham o andar dos outros com xingamentos, agressões, invasão de privacidade etc. O local do crime é a Web.
Então, minha meta, meu filho, é lhe criar para não ser esse cara que tem uma vida normal, uma família linda, um emprego que ajuda pessoas, mas, que na sarjeta da internet, é um raivoso destruidor de fluidez de carinho e humor. Uma amargura que infesta os perfis dos outros. A vida, no fundo, vai passar para ele, que com o coração atrapalhado, não vai saber aproveitá-la, meu filho.
Que você discorde educadamente. Que aprenda que tem assuntos que teremos sempre mais de uma maneira de enxergar. E que isso pode ser a salvação da humanidade que tem sim que pensar diferente.
Esse é o meu desafio. Lhe transformar em um ser humano bom na vida real. E, agora, uma luta árdua: um ser humano bom também na internet.