Nada na "cidade" do Real Madrid parece fora do lugar. Tudo na Ciudad Deportiva ajuda a entender porque se trata do maior clube do mundo. Nesta última semana, tive a sorte de conhecer por dentro uma parte do QG do clube em Valdebebas, na região noroeste da capital espanhola e considerado seu pulmão verde pelo parque de 1.067 hectares. O Real apresenta seu CT como o melhor do planeta. Pode parecer megalomania, mas garanto, não é.
Florentino Pérez, o presidente do clube, é um dos principais empresários do ramo de construção civil de Madri. Como se vê pelos seus projetos à frente do clube, o homem gosta de sofisticação. Vale para o time, vale para o novo Santiago Bernabéu e, como não poderia ser diferente, vale para a Ciudad Deportiva. Tudo é limpo, organizado e requintado no CT. Nenhum detalhe escapa dos 90 hectares ocupados do total de 120 hectares de área. Há planos construir, nesse restante de espaço, um parque temático, igual ao que está para ser inaugurado em Dubai com a marca do clube.
A Seleção Brasileira usou na última segunda-feira (25) apenas o Estádio Alfredo Di Stéfano para treinar e a sala de imprensa da ala do time principal para as entrevistas coletivas. Os jornalistas pouco puderam sair desse circuito. Porém, os deslocamentos pelo CT permitiram espiar algo mais. Para se ter noção do tamanho da Ciudad Deportiva, o clube usa carros elétricos para que funcionários, convidados e jornalistas se desloquem. São veículos de 12 lugares, fechados para proteger do frio e da chuva do inverno e do calor seco do verão. Na segunda-feira, como quase 200 jornalistas participaram das entrevistas e assistiram à janela do treino, os motoristas trabalharam além da conta.
O acesso ao CT está longe de ser algo fácil. Só mesmo credenciado ou convidado. Uma funcionária identificou cada um na portaria. Pedia documento, procurava o nome numa lista com várias folhas e só depois autorizava. O portão pelo qual entramos dava de cara com um amplo jardim, com passeios ornados por flores e arbustos bem aparados. Ele adernava o espaço diante do ginásio de basquete, um prédio envidraçado e quadrado que nem de longe lembra um pavilhão de esportes. Como em tudo na Ciudad Deportiva, um letreiro gigante com o nome do clube, iluminado à noite, completava a lateral de concreto.
Ali, treinam e jogam as categorias de base e treina o time principal. Por exemplo, foi dali que saiu a estrela da NBA Luka Doncic. O esloveno morou seis anos na Ciudad Deportiva antes de se mudar para os EUA.
A partir do ginásio, começam os campos. São 11 ao total, além do Estádio Alfredo Di Stefano, com 6 mil lugares sentados e outros 5 mil em pé. Na pandemia, abrigou até jogos da Champions League. Normalmente, ali atuam o Real Madrid Castilla, o time feminino e o sub-19 na Uefa Youth Cup. A Seleção treinou lá na segunda-feira. A estrutura para os jogadores é um grande prédio em formato de T, de 18 mil metros quadrados e com uma lógica de ascensão.
A cada categoria que o garoto avança, ele se move em direção à cabeça desse T, onde estão as instalações exclusivas do time principal. Ali, Vini Jr. e sua turma dispõe de quatro piscinas olímpicas, banheiras, sauna, centro médico, academia, restaurante, espaço de convivência e uma confortável suíte individual para dias de concentração. Se quiser morar por lá, sem problemas. Enquanto estiver no clube, o quarto é dele.
No centro desse T está o prédio destinado à imprensa. Na verdade, o prédio em que os jornalistas entram uma vez por semana, no dia de entrevista do técnico e no qual também tem acesso a uma janela de imagens do treino. O prédio tem dois andares. No térreo, um painel exibe as 14 taças da Champions League. Na parede do lado oposto ao elevador, estão os cartazes das 14 finais vencidas. Numa outra, um quadro traz em quantidade de taças todos os títulos da história do clube.
A sala de imprensa é quase um auditório. Para a entrevista de Vinícius Júnior, foram colocadas mais cadeiras. O normal é contar com, em média, 50, 60 profissionais nas coletivas de Carlo Ancelotti. Porém, para a de Vinícius estavam credenciados cerca de 200. Ficou gente sem conseguir perguntar, mas sem lugar ninguém ficou. O vestiário do time principal tem ligação direta com a sala. Está tudo conectado. Mas a segurança sempre vigilante e atenta impede qualquer movimento dos jornalistas além da área permitida.
O CT foi projeto de forma modulada. Assim, só tem acesso aos locais quem realmente recebe permissão para isso. Se há jogo no Alfredo di Stéfano, os torcedores usam o estacionamento para 300 veículos e conseguem chegar apenas até ali. O mesmo vale para as partidas de cada categoria, dos benjamín (sub-8) ao sub-19. Cada uma tem seu campo, com arquibancada.
O alojamento da base tem quatro andares e 40 dormitórios duplos, além de salas de aula. Ali, vivem garotos do futebol e do basquete. O mesmo compartilhamento de espaço vale para a concentração dos profissionais, que conta com 57 dormitórios, além de piscina coberta, sala de cinema, espaço de lazer, restaurante e sala de jogos.
Em abril de 2018, o Real Madrid transferiu toda a sua administração para o prédio de cinco andares construído na Ciudad Deportiva. Ali, estão todas as áreas do clube e o setor de atendimento ao sócio, cujo acesso se dá pela rua. O Santiago Bernabéu ficou mesmo apenas para os jogos e para a parte de operações que cuida dos negócios do estádio, do museu e da loja.
Assim, o clube evita um erro comum de clubes de futebol, de separar sua parte administrativa do departamento do futebol, criando assim duas instituições que parecem distintas. No caso do Real, elas compartilham do mesmo espaço, separados por uma rápida viagem nos carros elétricos que rodam pelas vias da melhor ciudad deportiva do mundo. Parece soberba quando eles dizem isso, mas posso te garantir: eles não estão errados.