O Barcelona se orgulha do seu DNA de futebol, de um modelo de bom trato à bola, compreensão tática do jogo e de uma química entre espetáculo e resultado. O laboratório onde tudo isso nasce está em um terreno de 136,8 mil metros quadrados, o equivalente a 14 campos de futebol. É ali que o Barcelona ergueu a Ciudad Deportiva Joan Gamper e encravou dentro dela La Masía, sua fábrica de talentos.
Masía, em catalão, significa uma casa rural. Era como o clube chamava o casarão situado nas imediações do Camp Nou e que serviu, primeiro, como escritório para os arquitetos responsáveis pela construção do estádio e, depois inaugurada a nova casa, em 1957, de endereço para a administração do clube. Só que o Barça cresceu, e o espaço ficou pequeno. Em 1979, os funcionários foram instalados no Camp Nou, e o prédio de tijolos rústicos e estilo colonial virou a residência dos jogadores da base que vinham de fora. Surgia a La Masía. Assim foi até 2011. Eles dormiam na casa e treinavam nos campos anexos ao estádio. Essa fórmula deu muito certo. Saíram dali Messi, Xavi, Iniesta, Puyol, Busquets, Fábregas e Victor Valdez, só para citar os mais recentes.
Porém, o clube percebeu que, para seguir gigante, era necessário crescer. A fórmula para isso era potencializar a base e formar cada vez mais jogadores com o DNA do Barça. Assim, em 2011, surgia a La Masía atual, uma fábrica de talentos inserida dentro da Ciudad Deportiva Joan Gamper e colada na estrutura do time principal. Os guris treinam e miram os campos 1 e 2, exclusivos dos profissionais. De longe, enxergam o prédio em U de dois pisos e o estacionamento em frente a ele, onde estão as naves espaciais dos ídolos. O prédio é tão intransponível que o funcionário responsável por me guiar na visita só permitiu observá-lo à distância.
— Estou há 20 anos aqui e só entrei lá duas vezes. E uma foi por acidente — justificou o guia, com um sorriso amarelo.
O cartão de acesso ao prédio envidraçado é o que move cada um dos garotos que treinam todos os dias em La Masía. Não são poucos. Ali, estão times das categorias sub-8 ao sub-19, além do time B. Masculino e feminino. São sete campos, cinco de grama natural e quatro artificiais. Os de grama natural são impecáveis. Todos têm as mesmas medidas e altura da grama em 23 milímetros, a mesma da atual casa do Barça, o Estádio Olímpico. O gramado é uma obsessão do clube, há o mantra de que só com um piso próximo do perfeito poderá se desenvolver o estilo de jogo de passe e controle da bola. O mesmo se aplica, claro, ao Estadi Johan Cruyff, um estádio para seis mil pessoas, funcional e endereço dos jogos dos times B e feminino. Chama a atenção o capricho de tudo. Há uma pequena esplanada na entrada principal, vestiários bem equipados, sala de imprensa, cabines no pavilhão e cobertura em todo o lance único das arquibancadas.
A Ciudad Desportiva foi inaugurada em junho de 2006. Cinco anos depois, foi entregue o prédio La Masía. O Johan Cruyff é mais recente, abriu as portas em 2019. Ou seja, toda a estrutura de hoje iniciou-se lá em 2001, quando as obras no terreno se iniciaram. Aliás, elas seguem. Recentemente, foram entregues os ginásios de handebol e futsal, vizinhos ao do basquete. Além do futebol, os times principais e as categorias de base dessas modalidades também treinam na Ciudad Deportiva.
Tudo ali foi pensado para vitaminar o Camp Nou de todos os domingos. Aliás, o endereço da Ciudad Deportiva é estratégico. Mesmo estando fora de Barcelona, em San Joan Despí, cidade da região metropolitana. Porém, usando a autopista se chega em 10 minutos ao estádio. Ou seja, dá para ir a uma reunião no Camp Nou e voltar a tempo de conferir o treino da base. Sem se estressar. O que ajuda o clube a estar sempre de olho em tudo o que acontece em seu centro de formação.
La Masía é a menina dos olhos do Barcelona. A ianuguração do prédio de cinco andares em 2011 mostrou que o clube sabia que só o DNA não faria brotar novos Xavis e Iniestas. Muito menos, um novo Messi. Hoje, mais de 100 adolescentes vivem no prédio. Cerca de 60% sao garotos do futebol masculino. Mas há também meninas do time feminino e guris do handebol, do futsal e do basquete. Quem tem até 16 anos, vai à escola pela manhã no ônibus do clube. Quem já fez 16 anos, a escola vai até La Masía. Um convênio com o governo permite que os professores usem as salas de aula do prédio para dar as aulas.
Não há estimativa de número, mas centenas de atletas, além de treinadores e funcionários, transitam por La Masía diariamente. Todos os espaços estão a poucos metros. O prédio do alojamento está perto da área de vestiários, departamento médico e academias, que está ao lado do campo e vizinho ao prédio administrativo. No La Masía, são 78 quartos, sendo a metade individual, 36 duplas e três quádruplas. O último andar estava reservado ao time principal, mas acabou sendo desativado e ficou para a base. Além dos dormitórios, há um amplo restaurante, sala de jogos, de aula e de estudos, além de consultórios e um espaço para visitas externas.
A Ciudad Deportiva virou tão relevante no universo Barça que o clube criou uma visita guiada para os fãs. Ela funciona inclusive no dia de jogos, com o torcedor comprando um pacote em que vai a San Joan Despí pela manhã, faz o tour e assiste à partida à tarde. O momento para badalar seu CT e, principalmente, La Masía, é perfeito. Xavi tem lançado garotos em lotes. Lamine Yamal estreou com 16, Cubarsí, Fort e Guiu, com 17, Fermín, com 20. Isso para falar dos mais proeminentes. Aliás, contra o Brasil, nesta terça, Lamine e Cubarsí estarão em campo. E, depois do amistoso, voltam para La Masía. Eles ainda moram lá. O clube definiu com eles que só se mudarão quando completarem 18 anos. É quando, considera, terão completado toda sua formação numa fábrica que não para de produzir talentos.