Mesmo que tivesse recebido para peladas jogadores do Nacional na Hacienda Nápoles, sua propriedade nos arredores de Medellín, Pablo Escobar era torcedor do Independiente, o outro clube da cidade. Aliás, essa é a melhor definição para o lado vermelho de Medellín.
O Nacional é o clube mais famoso, dono de dois títulos da Libertadores, uma Recopa Sul-Americana e 17 títulos da Liga colombiana. O DIM tem seis títulos da Liga e duas Copas Colômbia. Mas nem por isso deixou de ser o amor da vida de Escobar, o homem que colocou a Colômbia de pernas para o ar na virada dos anos 1980 e 1990. Tanto que comprou o clube, conforme está registrado nos arquivos da Justiça da Colômbia sobre guerra ao narcotráfico.
A coluna resgata essa história, já trazida aqui antes do confronto com o Inter em 2022, que mostra como funcionava a vida na Colômbia naquela época. Aliás, para quem se interessa pelo tema, aqui vão algumas dicas que estão disponíveis no Netflix: Narcos, que conta a história pela visão americana, Pablo Escobar, El patrón del mal, a partir da visão colombiana, e Sobrevivendo a Escobar (Alias JJ), que retrata a trajetória do matador número 1 de Escobar.
O proprietário
Em texto publicado na revista Semana, o jornalista Juan Diego Restrepo relata que topou quase por acidente com o nome do Independiente Medellín nos arquivos da Justiça. Ele produzia reportagem a partir de documentos da época quando encontrou o depoimento de José Rodrigo Tamayo. Em 1996, Tamayo se pronunciou à Justiça, em parte da investigação dos assassinatos dos irmãos Galeano Berrío e Gerardo Moncada, a mando de Escobar, de quem eram sócios. Tamayo era dono de 65% das ações do DIM e responsável pela gestão.
Negócios
O empresário era amigo de infância de Fernando Galeano Berrío. Talvez esse tenha sido seu azar. Era final de junho de 1992, conta ele no depoimento. Nesses dias, Escobar estava preso em La Catedral, presídio que construiu e onde decidiu que cumpriria pena, em jogo de cena com o governo. A reclusão, mesmo com regalias, o forçava a comandar tudo à distância. E a desconfiar até da sombra. Escobar intuiu que os irmãos Galeano Berrío estavam ficando com parte do faturamento do tráfico feito por eles. Tratou, então, de tomar alguns negócios deles. Pela relação entre Tamayo e Fernando, achou que o DIM estava nesta lista.
Valderrama, não!
Segundo Tamayo, um grupo de homens entrou em seu escritório na sede do clube. A primeira pergunta foi se realmente era verdade o boato que corria na cidade, de que ele venderia Valderrama, ídolo da torcida e da seleção. Tamayo disse que sim. O clube havia ficado de fora dos mata-matas e teria cinco meses sem receita alguma.
— Foi quando eles me disseram que não poderia vender jogador algum. E que o "Senhor", embora não tenham me dito o nome sabia de quem se tratava, mandava avisar que tinha de entregar o clube e que me enviaria um dinheiro para que não me revoltasse ou brincasse com o tema — relatou Tamayo.
Proprietário torcedor
Minutos depois de receber esse recado, Tamayo assinou os documentos da venda. Segundo ele, os papéis foram improvisados pelos emissários de Escobar. Ele nem leu, "por já saber do que se tratava". No dia seguinte, pegou a mulher e os filhos e deixou a Colômbia. Escobar ficou com o clube do seu coração. Em entrevista concedida à rádio espanhola Onda Cero, em 2017, Juan Pablo, filho do narcotraficante, revelou que o pai torcia para o DIM.
Em tempo
Aliás, a fazenda Nápoles, QG de Pablo Escobar, virou hoje um parque temático de 1,6 mil hectares, com piscinas, toboáguas, cachoeira e rio artificiais, minizoo com animais selvagens, hotel e museus, como o que conta a cultura africana, instalado no que era a arena de touros erguida pelo narcotraficante.
Os animais, leões, tigres, elefantes, girafas e gazelas que fazem parte do minizoo nada tem a ver com os comprados por Escobar no zoológico que havia instalado na fazenda. O campo de futebol, que recebia as peladas com os jogadores do Nacional e da seleção, desapareceu.