Há um bom tempo, o futebol ganhou os bancos da academia e virou objeto de estudo. O jogo deixou de ser unicamente intuitivo e virou uma ciência. Há estudos aprofundados em todos os seus aspectos, o que só acelera seu desenvolvimento.
Até aí, nenhuma novidade. Porém, nesta semana, ganhou ainda mais as manchetes o meia-atacante japonês Kaoru Mitoma. O gol decisivo na classificação do Brighton sobre o Liverpool, na FA Cup, aos 47 do segundo tempo, reafirmou-o como a revelação da Premier League pós-Copa.
Porém, o que mais chamou a atenção é que esse gol foi construído a partir de uma pesquisa na universidade feita pelo próprio jogador. Mitoma, aos 19 anos, decidiu ingressar na faculdade de Educação Física e, como trabalho de conclusão, analisou seus dribles e a forma como os adversários reagiam quando ele partia para cima com a bola. Ciência pura. Uma hipótese surgida a partir de uma experiência. O empirismo cedendo lugar a um mergulho científico.
Mitoma atuava nas categorias de base do Kawasaki Frontale desde os 11 anos. Era tratado como promessa e brilhava no time B. O clube avisou-o de que seria promovido, mas ele rejeitou a ideia. Considerava-se ainda despreparado fisicamente para encarar a J-League. Avisou que estava dando uma pausa no futebol profissional para se matricular no curso de Educação Física da Universidade de Tsukuba, localizada a uma hora e meia de Kawasaki. Ali, estudaria e seguiria jogando na liga universitária, cujo nível competitivo é elevado, tanto que abastece muitos clubes das principais divisões do país. Lá, esporte e educação caminham juntos.
Na faculdade, Mitoma passou a se dedicar a entender os segredos do drible. Ele sempre foi um jogador agressivo com a bola, que buscava o confronto direto com o lateral, o que os técnicos chamam de "um contra um". Porém, se mostrava insatisfeito por vencer os duelos apenas pela intuição. Queria saber porque levava vantagem e quais eram os movimentos dos marcadores quando ele partia para cima. Para isso, ele colocou câmeras Go-Pro na sua testa e na testa dos companheiros durante os treinos. Depois de coletar em vídeo as ações em campo e os movimentos que faziam dribladores e driblados, debruçou-se sobre as horas e horas de vídeo e tratou de dissecá-las.
Mitoma concluiu que os melhores dribladores jamais miravam a bola. Mantinham os olhos no horizonte e carregavam a bola sem abaixar a cabeça ou fitar os pés. Também descobriu que a vitória sobre o marcador passava, necessariamente, por mudar o centro de gravidade dele, fazendo-o com que se mova. A partir do momento em que o fazia tirar um dos pés do gramado, era vitória certa do driblador. Mitoma se formou e voltou ao Kawasaki com 22 anos. Na primeira temporada, fez 13 gols e deu 12 assistências. Suas vitórias no um contra um aumentaram de forma significativa.
Um ano e meio depois de entregar seu trabalho de conclusão na faculdade, Mitoma foi comprado pelo Brighton por 3 milhões de euros. Era agosto de 2021, e ele deixava o Kawasaki com 30 gols em 64 jogos e figura da seleção sub-23.
O japonês nem desembarcou em Brighton, cidade litorânea ao sul de Londres. Foi emprestado para o belga Union Saint-Gillois. Em agosto de 2022, estreou na Premier League. Até a Copa do Mundo, era um reserva. As boas atuações no Catar o fizeram mudar de patamar na volta ao Brighton. Aliás, ele é o jogador que fez o cruzamento para o gol contra a Espanha, em lance que provocou discussão se a bola havia ou não saído na linha de fundo.
No Brighton, são 17 jogos na temporada. Em apenas oito foi titular. Mas já fez cinco gols e deu uma assistência. Pela ascensão dele, o clube vendeu o belga Leandro Trossard para o Arsenal agora em janeiro.
Mitoma virou a grande referência técnica. Contra o Liverpool, fez um golaço: aparou a bola na área, driblou o zagueiro e emendou sem deixar a bola quicar. Saiu de campo com números impactantes: 57 toques na bola, oito duelos ganhos, dois chutes a gol, um passe decisivo e, é claro, o gol.
Alexander-Arnold, lateral da seleção inglesa e nome do Liverpool, saiu de campo desnorteado. Talvez nem imaginou que toda aquela ousadia do japonês estava embasada na ciência. Afinal, diante dele estavam o pesquisador e seu objeto de estudo.