Raphinha passou, em seis anos, de um jogador de 600 mil euros a um astro de 58 milhões de euros, com multa rescisória de 1 bilhão de euros. Sabe o que influenciou esse salto nas cifras e na carreira? Eu respondo: a magia. Sim, o que o Barcelona foi buscar em Leeds é algo que sempre moveu o clube em suas retomadas, a brilhantura do jogador brasileiro.
Antes de qualquer conclusão precipitada, aqui não há comparação entre Raphinha e nomes como Romário ou os Ronaldos. Longe disso. O que se está abordando é a busca no Camp Nou por um estilo de jogo capaz de animar o torcedor, fazer com que ele se sente na cadeira para desfrutá-lo com a bola nos pés.
Na história recente do clube catalão, há dois Dream Teams, ambos com o dedo direto de Johan Cruyff, ídolo como jogador, técnico e guru do clube, cujas ideias são seguidas ainda hoje. O legado que deixou foi o de uma forma de própria de pensar o futebol tão forte que virou uma escola. Pois esse Cruyff montou o time tetracampeão espanhol e a primeira Liga dos Campeões na arrancada dos 1990. Ali, havia Romário. Claro, havia Stoichkov, Koeman, um volante chamado Guardiola, Nadal. Mas era Romário o cara da magia.
A partir do afastamento de Cruyff, por um litígio com o presidente Josep Luís Núñez, o Barcelona foi perdendo gás. Ronaldo havia passado como um furacão, com 47 gols em 49 jogos na temporada 1996/1997. Rivaldo havia chegado para o seu lugar, buscado no La Coruña, de onde teve de sair na madrugada para que a torcida não percebesse e iniciasse uma revolução na Galícia.
Na mesma época, havia Giovanni, um típico camisa 10 buscado no Santos. Porém, o Barcelona definhava e entrava numa espiral de gastos elevados e receitas em queda. Em 2001, numa tentativa desesperada de resgatar os melhores dias, os catalães vieram ao Brasil e gastaram US$ 30 milhões em duas promessas.
Pagaram US$ 21 milhões em Geovanni, do Cruzeiro, e US$ 12 milhões em Fábio Rochemback, do Inter. Aliás, esse negócio foi fechado num café no Paradouro Grill, nas margens da BR-116, em Cristal. O Inter voltava de um jogo em Pelotas e ali houve a conversa que alinhavou a venda com o representante catalão.
Ferran Soriano, em A bola não entra por acaso, uma bíblia da gestão em futebol, conta a explicação dos dirigentes que deixavam o Barcelona naquele verão de 2003, depois da vitória nas urnas de Joan Laporta. Soriano era parte da equipe que tentaria recuperar o tempo perdido e pegar o "trem da globalização" em que já haviam embarcado Real, United e Liverpool.
— Um dirigente nos disse que buscaram Rochemback e Geovanni porque tinham informações de que um era o novo Neeskens e o outro, o novo Garrincha. Com essas informações, pagaram US$ 30 milhões — escreve Soriano.
O verão de 2003 foi o começo da gestação do Dream Team II. O plano de ação foi arriscado. Era preciso ser austero na gestão financeira, afinal havia fechado a temporada com 73 milhões de euros de déficit e ostentava apenas o 13º faturamento entre os grandes europeus. Mas também era preciso ser audacioso no mercado e buscar jogadores que enchessem os olhos do torcedor e as cadeiras do Camp Nou.
— O time foi construído com diferentes peças (...) Mas havia um porta-bandeira: Ronaldo de Assis Moreira. A qualidade técnica, o rendimento e o carisma desse jogador foram a cara do novo projeto — conta Soriano.
Desde a chegada de Xavi, em 2021, e de novo sob o comando de Laporta, o Barcelona desenha na prancheta um time capaz de resgatá-lo, outra vez, de uma crise financeira profunda. A dívida é de 1,35 bilhão de euros.
Há uma safra de La Masia que promete, com Gavi, Pedri e Ansu Fathi, e jovens talentosos, como Eric Garcia e Ferrán Tórres. Todos liderados por ídolos como Busquets, Alba e Piqué. Laporta ainda tenta acrescentar a eles o polonês Lewandowski, em negócio que pode fechar neste fim de semana.
Porém, faltava o tempero brasileiro, aquele que o Barcelona sempre teve em em seus grandes momentos. Foi para condimentar esse novo projeto que Raphinha chegou. O guri da Restinga, que ganhou o mundo sem passar pela Dupla, sabe o que representa jogar no Barça. Recusou o Chelsea por isso. Ele será o cara da magia, do drible, do lance que faz um estádio levantar. Tudo o que os catalães se acostumaram a ter aos domingos e já não viam mais.
— Con Raphinha vuelve o "Jogo Bonito" — anunciou Laporta na apresentação do guri de Porto Alegre.
Que eles tenham sucesso. O mundo sempre sorri mais quando o Barça joga com alegria.