Mirassol na terça-feira. Série C. Globo na quinta-feira. Série D. Ao menos, as torcidas estão se lavando na flauta, rindo juntos da desgraça alheia. Mas é triste, no fundo. É mais do que triste. É deprimente ver Grêmio e Inter atolados em canto escuro do futebol brasileiro. Saímos dos holofotes, saímos do centro do palco. A cada dia que passa, ficamos mais escanteados. Viramos nestes últimos três, quatro anos, competidores de Gre-Nal. É o que conseguimos ganhar neste momento.
A semana histórica explica o sábado de Carnaval, com aquele circo de horrores no lado de fora e, também, nos bastidores do Beira-Rio. Grêmio e Inter não saíram abraçados do episódio Villasanti por má vontade. É que a rivalidade cegou os dois. Como neste momento o que dá para comemorar é a vitória no clássico, eles agiram quase por instinto, na tentativa desesperada de evitar prejuízos técnicos no confronto direto. Foi quase um ato de sobrevivência. Medíocre, é claro.
A Dupla é grande responsável por toda essa situação. São seus dirigentes, eleitos pelos seus associados, que montam esses times e fazem as apostas erradas. É até óbvio dizer isso. Porém, essa culpa precisa também ser compartilhada. Todos nós temos a nossa fração, maior ou menor. Há um contexto que leva Grêmio e Inter para essa zona de sombra e os relega a, neste momento, um plano secundário do futebol brasileiro. Estamos fora do pelotão de elite, que já nos vê diminuindo rapidamente no retrovisor.
Para mim, não há como dissociar a condição socioeconômica do Rio Grande do Sul deste cenário atual da Dupla. Nosso Estado é refratário demais às mudanças. O gaúcho, por tradição, é desconfiado, teme o novo, espera para dar o passo seguro. Nossa primeira resposta sempre tender a ser o "não". E isso nos atrasa, nos tira o ímpeto da ousadia. Criamos um universo próprio e tentamos nos convencer de que viver nele nos basta. E não basta, está bem longe disso.
Mudanças culturais não se fazem de um dia para o outro. Leva-se tempo, muito tempo. Mas é preciso começar. Só com essa disposição é que os ventos do tempo soprarão em nossas bandas e criarão novas formas, novos moldes e criarão um novo cenário. Ou é isso, ou seguiremos na planície.
Quanto ao aspecto econômico, esse é um ponto autoexplicativo. O Estado empobreceu e parece atarraxado nas soluções de sempre. Acrescente-se a isso o fato de estarmos na ponta sul do Brasil, longe do eixo onde chove grosso, como diz um amigo meu radicado em São Paulo há três décadas. O mapa do futebol obedece aos humores da economia a qual está atrelado. O reflexo disso vai além de Grêmio e Inter, aliás. Afeta toda a cadeia. Nosso futebol do Interior definha. Quem está na elite estadual, vive da cota do Gauchão. Quem não está, sobrevive com heroísmo.
Como a Dupla está na ponta dessa cadeia, sofre também os reflexos. Quantos jogadores gaúchos têm Grêmio e Inter? Quantas revelações do Gauchão desembarcaram na Arena e no Beira-Rio? Aliás, quantos clubes do Interior têm base forte nas quais a Dupla poderia se servir? Seriam jogadores com raízes locais, identificados com nossos clubes, a custo baixo. Fica claro que é urgente um projeto para resgatar o futebol do Interior. É de lá que podem vir jogadores e treinadores. Para que eles possam desembarcar em Porto Alegre, no entanto, é preciso que contem em suas bases de origem com uma estrutura de qualidade e toda uma rede de aperfeiçoamento e capacitação profissional.
Por fim, temos de falar do nosso balcão. Passou do tempo de a imprensa entender que o jogo mudou dentro e fora de campo. Não podemos mais falar de futebol sem estudar o futebol. O jogo lúdico virou adulto e se transformou em esporte de elite. Claro que a magia ainda vai fazer a diferença. Porém, a magia só virá se todo um trabalho físico e técnico precedê-la. Só a magia não ganha jogo. Ela sozinha é fugaz e passageira.
Fora de campo, precisamos nos convencer de que o futebol que tanto amamos, hoje, é uma indústria. Entender os movimentos e os fluxos dessa indústria, de sua gestão e de suas conexões é tão importante como ler o sistema tático de um time. É uma realidade nova essa. Mas a imprensa tem o dever de desvendá-la. Até para poder questionar e apontar caminhos.
A semana terrível da Dupla pode ser sacolejo para que comecemos a refletir sobre como fomos parar nesta área de sombra do futebol brasileiro. Temos de olhar além do placar. Ou, no mínimo, compreender porque os números que estão ali aconteceram. Ou fazemos isso, ou veremos Grêmio e Inter comemorando Gre-Nal.