Será o Gre-Nal da década. Podem ter certeza. O clássico pela Libertadores teve o componente histórico, por ser o primeiro em 60 anos da competição. Mas esse carrega junto um contexto que renderia um roteiro de filme daqueles que Hollywood adora. Tem a glória e o drama peleando ferozmente. O Inter pode encaminhar o rebaixamento do Grêmio. E o Grêmio pode ejetar-se do Z-4 e fechar o ano comemorando a permanência na elite iniciada justamente contra o maior rival. São ingredientes que efervescem ainda mais a vida aqui na ponta sul do mundo. Mas não se deixe enganar. Isso é pouco.
O Gre-Nal é, sim, um campeonato dentro do campeonato. Tem vida própria. Que nós demos. Por isso virou a grande conquista de um universo paralelo que criamos. É como se uma bolha envolvesse do Mampituba para baixo. O que interessa é ganhar Gre-Nal e o passe livre que dá para a flauta, para a alegria desmedida e para o sentimento de que não haverá amanhã. Para que taça se temos um jogo que vale mais do que ela? É assim que pensamos o Gre-Nal.
A vida própria que ganhou o clássico, que nem é mais clássico, é instituição, está na raiz dos problemas que enfrentamos com Grêmio e Inter nesta temporada. Problemas que têm medidas diferentes, é verdade. O caso do Grêmio é gravíssimo, de eliminações, quatro técnicos e 16 derrotas no Brasileirão. O do Inter, bem menos crítico, com os desafios comuns do processo de readequação de contas. Porém, não podemos naturalizar a luta pelo sexto lugar.
Como vemos, estamos nivelados por baixo, com um time quase caindo e outro se segurando na primeira página da tabela. Isso é quase nada se espiarmos os cartéis de Grêmio e Inter, com dois títulos mundiais e cinco Libertadores, só para citar taças internacionais. Não podemos aceitar, em pleno 2021, ser suficiente rir da desgraça alheia. Isso é troco para orçamentos beirando meio bilhão de reais. Podemos e devemos entregar mais.
O Gre-Nal, principalmente esse 434, merece toda a distinção. Vale muito. Mas preste bem atenção: ele é parte, jamais pode ser o todo.
Precisamos, urgentemente, furar essa bolha que envolve tudo ao sul do Mampituba. Devemos, urgentemente, diagnosticar porque Fluminense, Cruzeiro e Santos já ganharam nos pontos corridos enquanto nós comemoramos vagas na Libertadores. O Fluminense, mesmo inflado pelo dinheiro da Unimed em 2010 e 2012, veste tamanho P perto da Dupla. O Cruzeiro, aquele lá de trás, não esse raquítico de agora, não é maior do que Grêmio e Inter. Nem o Santos. Esse nos goleia quando comparamos páginas nos livros de história, mas quem já esteve em Santos e na Vila Belmiro consegue medir bem a distância que os separa de Grêmio e Inter.
Só que eles já fizeram algo que não conseguimos, ganhar o Brasileirão que exige regularidade, planejamento, longo prazo e, principalmente, investimento. Faz 25 anos que não ganhamos o Brasileirão. Um quarto de século.
Descolamento
Você, neste instante, deve estar argumentando: “Mas, de 2010 para cá, são duas Libertadores da Dupla!”. É verdade. Só que a Libertadores é torneio. O Brasileirão, não, é campeonato. Estamos em momento crucial do futebol brasileiro.
Há três times que estão descolando dos demais. O Flamengo confirmou tudo o que se dizia nos anos 1990 e 2000: se tivesse organização e gestão correta, viraria a NBA do Brasil. Virou. O Palmeiras vem se reestruturando em alicerces firmes. Aproveitou o dinheiro dos mecenas e cresceu de forma sustentável. Vai ficar ainda mais forte a partir de 2022, com Leila Pereira, da Crefisa, na presidência. O Atlético-MG é o novato na turma. Os bilionários que injetaram dinheiro lá trouxeram também a visão empresarial para o clube. Vai crescer mais ainda, apostem.
A pergunta que faço é: “E nós, onde ficamos nesse cenário?”. Ficamos para trás. Se não agirmos rapidamente, vamos ficar bem para atrás, viraremos a periferia do Brasileirão. Brigaremos por vaga e olhe lá. Temos de fazer o mesmo movimento dos anos 1970, quando rompemos a bolha que eles nos impunham do eixo Rio-São Paulo para baixo. Lá atrás avançamos e entramos no mapa. Esse movimento precisa ser repetido.
A bolha, porém, quem criou fomos nós mesmos, ao acharmos que o máximo é o escárnio do rival. É claro que isso é bom, o futebol vive de rivalidades e da flauta. Mas é preciso exigir mais. O Gre-Nal, ainda mais o deste sábado, é importante demais. Mas eu repito: ele é parte, não é o todo.