O adeus a Maradona foi como Maradona, intenso, emotivo, afetuoso, confuso, polêmico e, mais do que tudo isso, superlativo. Os argentinos se despediram do seu ídolo dessa forma porque eles são assim. Maradona era assim. Por isso, esse amor desmedido do astro com seus fãs e deles com seu astro. Pode-se dizer que naquele craque de 1m68cm estava uma Argentina inteira e suas nuances todas.
A dor que vimos os hermanos sentirem vem do adeus ao ídolo, claro, mas muito também do vazio que deixou no coração deles. Foi D10s, como eles o chamavam, e ficou uma legião de órfãos. Messi, ali na frente, talvez até se aproxime de Maradona pela genialidade com os pés. Mas nem se viver 20 vidas chegará perto da representatividade de Maradona.
As lágrimas de um país inteiro são para pouquíssimos. Aqui no Brasil, talvez, tenhamos chorado juntos apenas Ayrton Senna. Pela mesma razão que faz hoje os argentinos derramarem sua dor por Maradona. Ayrton era o Brasil que vencia em uma época que o futebol fracassava. Fazia o hino tocar domingo sim, outro não em um mundo como o da F-1, que era restrito e quase fechado para alguém dos trópicos.
Maradona foi além disso. Deu para a Argentina a vitória no campo esportivo e, também, no diplomático. Talvez nunca tenhamos mais o duelo entre um camisa 10 e uma primeira-ministra chamada de Dama de Ferro. Porque, para os argentinos, aquele Argentina 2 a 1 Inglaterra na Copa de 1986 não era futebol. Era o acerto de contas de um jogador com um país que, quatro anos antes, havia dizimado jovens em uma guerra insana nas Malvinas. Nem mesmo um roteirista de Hollywood conseguiria escrever uma história tão perfeita de um super-herói – que estava longe de ser perfeito.
Destino
Esse era o gatilho que fazia Maradona ser tão amado pelos argentinos. Porque ele era perfeito, mas cheios de imperfeições como qualquer um. Protagonizava momentos brilhantes que escreviam a história do país, como na Copa de 1986, mas também fazia seu povo se encolher de vergonha com excessos e descontrole.
Quem não lembra dos tiros nos jornalistas que faziam plantão na frente de sua casa. Ou das aparições públicas totalmente alterado, enevoando aquela imagem de super-herói construída coma bola. Era o genial sendo genioso. O Deus mostrando uma face que nada remetia a uma divindidade.
Mesmo com esses atropelos, Maradona nunca deixou de ser amado. Pelo contrário, causava apreensão o processo autodestrutivo em que avançava de forma acelerada. Todos sabiam que a noticia que sacudiu o mundo na quarta-feira não tardaria a vir. Mas ninguém queria acreditar que ela chegaria. Era como se fosse uma negação, embora se acompanhasse, nesse big brother criado pelas redes sociais, Maradona se despedindo dia a dia, em frações.
Me lembro de uma imagem do ano passado, como Gimnasia y Esgrima, o clube que treinava até ser hospitalizado para a cirurgia na cabeça. O time foi jogar em Rosario, contra o Newell’s, e dezenas de fãs fizeram plantão no hotel. Maradona atendeu e foi para a varanda. Caminhando com dificuldade, ia de um lado a outro alentando a massa, que cantava sem parar o seu nome. Ali estava um espectro do jogador que mais se aproximou da qualidade técnica de Pelé, de um dos maiores de todos os tempos.
Mas só nós, que não somos argentinos,ovíamos assim. Para os hermanos, ele seguia sendo Dios, o sujeito que saiu de Villa Fiorito, abriu portas que são blindadas para quem vem das camadas menos favorecidas e driblou seu próprio destino. Primeiro, a seu favor. Depois, na mão contrária. Não haverá outro igual. Por isso, os argentinos estão órfãos. D10s parecia imortal como os deuses. Mas ele não era perfeito. E por isso foi, e será, tão amado.