Antes de tudo, quero deixar claro aqui: estou ansioso pela volta do futebol. Tão ansioso que, dia desses, me surpreendi vendo Slutsk x Vitebsk, pelo Bielorrussão 2020. Só que a pandemia me ensinou a controlar a minha ansiedade e a entender que há algo mais urgente do que um jogo na TV ou um campeonato que acabou em suspenso. O coronavírus cobra a sua conta com vidas. Nos expõe, por exemplo, ao drama de médicos que precisam eleger quem vai ganhar uma nova chance e quem vai esperar o pior o arrebatar. Isso é de uma aspereza e de uma crueldade que me impedem de encaixar um jogo de futebol na rotina. Por isso, sou contra o futebol agora. Por mais que esteja em abstinência de um bom jogo na TV. Por mais que esteja impedido de fazer o que mais gosto, o que escolhi como profissao, que é contar a história do espetáculo.
Além disso, há uma questão prática na retomada do futebol. Trata-se de um jogo de contato, de força, em que os atletas transpiram, expiram, colocam no ambiente suas secreções. O que vai contra o distanciamento que tanto exige a prevenção ao coronavírus. Teríamos de transformar os estádios em uma bolha sanitária Mesmo assim, jogadores e demais integrantes do jogo seguiriam expostos. Há ainda uma questão ética. Em um país no qual se testa tão pouco e no qual há carências sérias na rede hospitalar, seria adequado mobilizar dinheiro e energia por um jogo de futebol na TV?
O futebol, eu sei, tem um poder de distensionar, e isso é ouro em dias de quarentena. Mas deixo uma pergunta: um jogo de campeonato não deflagaria, a reboque da falsa ideia de normalidade, uma flexibilização automatica da população?
Mesmo no Rio Grande do Sul, em que a mão firme do Estado mantém a curva controlada, vejo um horizonte mais longínquo para o futebol. O Gauchão precisa de 20 dias para ser finalizado. Só que há dois obstáculos para se chegar até eles: espaço e tempo. Espaço porque, à medida em que o governo fragmenta o território, o campeonato o expande. Tempo porque, a partir do decreto a ser editado amanhã, o que vale neste sábado pode não valer mais no próximo.
Há uma ideia de se disputar os jogos em sede única, o que é viável no aspecto logístico. Em uma semana, o campeonato de 12 clubes se resumira a quatro. Em outra, ficara restrito a dois e, daí, mais uma semana para se definir o campeão. Nem entrarei no aspecto financeiro, por que a conta para isso é salgada. O que me incomoda é corrermos o risco de estar pensando em um Gre-Nal ou Bra-Pel ou Ca-Ju enquanto vítimas são contadas em hospitais. E isso nem a alegria do gol mascara.
Entendo a agonia dos clubes e suas dificuldades financeiras que se agravam a cada semana. São máquinas pesadas que estão há quase dois meses sem ver um centavo entrar nas suas contas. Tomara que a pandemia os desperte, os faça perceber que essa dependência da CBF precisa ser revista. Neste momento mais agudo, ela silenciou.
Como disse lá no começo desse texto, estou louco por futebol. Quero muito o Gauchão de volta, o Gre-Nal, as emoção das jornadas esportivas da Gaúcha, o entusiasmo do Pedro Ernesto narrando. Eu também quero ver gol. Mas, se há algo que aprendi nessa pandemia, foi saber controlar minha ansiedade. A ter paciência e a consciência de que tudo tem sua hora. E, meus amigos, a do futebol não é agora. Infelizmente.