Zé Antônio, 35 anos, virou a voz de um movimento raro no futebol brasileiro. Na última semana, cansados com os atrasos salariais da empresa que comanda o futebol do Figueirense e suas promessas descumpridas, os jogadores pararam. De treinar e jogar. Na terça-feira (20), deram W.O. contra o Cuiabá. Nesta sexta-feira, voltaram ao trabalho e prometeram entrar em campo neste sábado, contra o CRB, em Florianópolis. A coluna conversou com Zé Antônio, por telefone, pouco depois do primeiro treino em uma semana.
Vocês têm ideia do quanto estão mexendo nas estruturas do futebol brasileiro?
É um momento delicado que atravessamos. Temos como meta e pensamento o grupo de jogadores. Eu sou o porta-voz, mas trago o pensamento de todos. Nossa luta e nossa causa é por muito mais do que salários atrasados.
Quando o grupo passou a se mobilizar e agir com unidade?
Estou aqui desde abril de 2017. Cheguei e havia atrasos de salários. Ainda não era a Elephant, que gere o clube hoje. Ela assumiu em agosto e colocou tudo em dia. No final de 2017, já não recebemos mais. Isso se estendeu em 2018, com atrasos de salários de jogadores e funcionários. Na largada de 2019, até onde sabemos, foi firmado acordo entre a Elephant e a Associação Figueirense (empresa S/A criada pelo clube), no qual tudo seria colocado em dia. Realmente, o ano começou de forma correta. Porém, sem quitar o que havia ficado para trás. Até maio, junho, tudo ia muito bem. Só que a situação voltou a se complicar, com atrasos recorrentes, promessas descumpridas, funcionários passando muita dificuldade. Daí, começamos a nos mobilizar. O movimento dos jogadores ganhou força nos últimos 15 dias.
Por que nos últimos 15 dias?
Nos reuníamos e vinham promessas não cumpridas. Isso vai causando dificuldade. Decidimos nos unir. O técnico que montou o grupo, o Hémerson Maria, saiu por essa situação toda. Pedimos para que ficasse, mas disse que era insustentável. O Hémerson é sensacional, de caráter ímpar. Bateu de frente com a direção, se sacrificou por nós e pensou que, saindo, poderia provocar mudança. A partir daí, vimos que nada mudaria. Culminou nos dias sem treinar e no W.O.
Essa tensão toda sobrecarrega ainda mais o atleta.
Temos grupo de WhatsApp e, ali, todos mandavam vídeos treinando, correndo ou fazendo musculação (durante a greve). Não tivemos contato com a bola, mas o fundamental, que é o nível de força e o condicionamento físico, fizemos. Nessa hora, no entanto, a causa pela qual brigamos é maior do que se preocupar com o resultado futebolístico. Não é normal ter os vencimentos atrasados. Todos têm suas contas. Quando vai pagar um boleto atrasado, isso gera juro. E quando recebe com atraso, não vem com juro. A causa, espero que entendam, não é o salário, mas uma causa de todo o trabalhador, de todos que, de certa forma, são prejudicados por não terem seu direitos atendidos.
Vocês têm se ajudado para manter os que ganham menos?
Sempre. Nos reunimos, e não foi uma ou duas vezes, para ajudar funcionários e meninos da base. Nunca expusemos para ninguém porque é desnecessário. Ajudamos, na medida do possível, dando uma quantia, distribuindo cesta básica. Só por isso e pela união de todos que conseguimos chegar até aqui com esse movimento. O sub-23 teve o W.O quinta-feira (contra o Santos) por causa dessa unidade.
O que está atrasado em 2019?
Neste ano, falo pelo grupo de atletas, porque com os funcionários é diferente (a relação trabalhista). Neste ano, atrasou a CLT (pagamento registrado em carteira de trabalho), que venceu no último dia 5 e estamos indo para a segundo mês, já que fecha no dia 30 de agosto. Estamos com dois meses de direito de imagens atrasados, entrando no terceiro.
Houve despejos de jogadores e cobranças de pensão alimentícia, com ameaça de prisão?
Os mandados de prisão e os despejos aconteceram em 2018. Jogadores se desfizeram de bens para sobreviver. No final do ano, ficou insustentável. Mas a diferença era de que havia diálogo. O presidente na época (Cláudio Vernalha) estava lá no dia a dia, nos ouvia e dizia: “Rapaziada, estou com vocês, não estou conseguindo pagar, mas estou correndo”. O que vivemos de agosto a dezembro de 2018 foi muito pior em termos financeiros. Mas havia respeito e diálogo, o que neste ano não tem. O que vemos é falta de respeito com o trabalhador.
Vocês conversam com o presidente Cláudio Honigman?
Tivemos uma ou duas reuniões com ele neste ano. Na maioria das vezes, não conseguimos acessá-lo.
Vocês alegam retaliações. De que forma elas acontecem?
Uma forma de retaliação é o que está sendo feito agora. Eles estão contratando jogadores, com o clube em situação complicada, em seu pior momento na história. Com todo o respeito aos atletas que estão chegando, são jogadores como nós... Mas qual a metodologia de trabalho de um clube que contrata sete, oito, 10 jogadores (N.R. São oito jogadores contratados), incha ainda mais a folha e aumenta o déficit? Sendo que não paga nem quem está aqui. A outra retaliação é dizer que pagará só se treinarmos e jogarmos. Pelas atitudes, desconfiamos de que, depois disso, podemos ser mandado embora, afastado de treino. (Essas garantias) exigimos em nota, e não foram cumpridas.
Como ficaria o ambiente no vestiário com a chegada desses jogadores novos?
É a primeira vez que passo por isso, assim como é de muitos. Inclusive a de quem chega, em meio a uma crise dessas, Mas a impressão que dá é de que estão contratando o quanto puderem de jogadores para, caso nos recusemos a jogar, eles terem um time montado por fora, para colocarem campo e nos botarem de lado. Não tenho prova disso, não estou afirmando. Falo em hipótese. Mas tudo leva a entender por esse caminho.
Vocês acionaram o Sindicato dos Atletas?
Uma ação do Sindicato perante a Federação, pelo que entendi, traz punição severa ao clube, que pode perder pontos. Não queremos punir o clube. Por isso nunca optamos por encaminhar via Sindicato.
Vocês não temem ficar marcados por isso?
Falo por mim. Não tenho medo de ficar marcado. Nós estamos fazendo as coisas certas. O empregador que estiver olhando nossa mobilização, caso venha a nos contratar, verá que nunca terá problemas se trabalhar de forma correta. Isso deve ficar de lição nesse episódio. Não temos medo de nada, estamos fazendo o que é certo.