Jhonny Ferreira, 40 anos, acomoda-se em uma cadeira na área contígua à piscina do Hotel Deville, traga o cigarro que recém acendeu e avisa ao repórter:
— Posso responder às perguntas em português.
A fluência vem de casa. Venezuelano nascido em Caracas, Jhonny é filho de imigrantes nascidos na Ilha da Madeira. Veio do sangue português também a paixão pelo futebol em um país em que os olhos, até a última década, fitavam apenas os jogos de beisebol, esporte mais popular entre os venezuelanos.
Jhonny está em sua terceira temporada no Monagas, adversário do Grêmio nesta quarta-feira, na Arena, às 19h15min. Chegou com os novos donos em 2016, afastou o clube do rebaixamento e, no ano seguinte, deu-lhe o primeiro título nacional.
No ano passado, o Monagas venceu o Apertura e, depois, os confrontos com o Lara, campeão do Clausura. A conquista deu à equipe a primeira estrela dourada, já estampa com o orgulho acima do escudo.
Depois de 24 horas de viagem, a delegação chegou a Porto Alegre no início da madrugada de segunda-feira. À tarde, treinou no CT do Inter e, nesta terça-feira, conhece a Arena. Jhonny, aliás, já conhece a casa gremista. Em 2013, esteve aqui com o Caracas, como auxiliar técnico.
Em meia hora de conversa e três cigarros, o técnico mostrou-se confiante para o jogo desta quarta-feira, apesar da derrota na estreia na Libertadores, para o Cerro Porteño e começo vacilante no Venezuelano, em que é 15º entre 18 times, com uma vitória em 11 rodadas.
Confira:
O que representa para o Monagas enfrentar o campeão da América?
É a primeira Libertadores do clube em 30 anos de história. O Monagas passou muitos momentos difíceis, com muitos altos e baixos no aspecto financeiro. Três vezes caiu à Segunda Divisão. Com a chegada de alguns dirigentes novos, que investiram muito dinheiro no clube, criaram-se todos os recursos necessários para trabalhar. Conquistamos a primeira estrela e, agora, estremos na Libertadores. Vamos enfrentar o atual campeão, sabemos da magnitude desse clube. Temos ilusão de fazer as coisas corretas, fazê-las bem e sacar um resultado positivo.
Como o senhor pensa o jogo de amanhã, na Arena?
O Grêmio tem muito desse futebol associado (de troca de passes), com muitos jogadores na metade do campo. Os laterais brasileiros, historicamente, são jogadores de muitos cruzamentos. O Grêmio não faz esse estilo, é muito mais de fazer associações no centro do campo. Tudo passa por Maicon, por Arthur e pelos movimentos de recuo de Luan. O jogo passará por aí, nossa equipe tem capacidade para fechar bem o centro do campo. Temos de pressionar ali e ser muito vertical na hora de atacar, de passar à área do Grêmio.
O senhor acredita que haverá caminhos para agredir o Grêmio?
Temos a certeza de que será um jogo complicado. Mas acredito que fechando certos espaços, e temos de ter a concentração máxima para isso, tenho muita ilusão. O começo na Copa não foi o melhor, também o momento no torneio local não é o melhor para nós. Mas o time cresceu futebolisticamente, teve avanços nos últimos jogos, no entrosamento dos jogadores. Isso só nos deixa com muita tranquilidade. Não temos um time tão completo como o do Grêmio, mas temos a preparação para fazer um grande jogo.
Qual a razão para o começo vacilante no Campeonato Venezuelano, com apenas uma vitória, cinco empates e cinco derrotas?
Nosso atacante, o Blondel, fez 24 gols no ano passado e foi para o Vancouver, da MLS. É uma baixa importante para o time. Chegaram Jhonder Cádiz, do Moreirense-POR, e "Cariaco" González, que voltou de empréstimo ao do F.C. Dallas, da MLS, mas ambos com pouco ritmo de jogo. Tem custado para que eles atinjam o melhor nível, e isso nos tem atrapalhado. Neste momento, no entanto, o Monagas chega ao Brasil em seu melhor momento futebolístico no ano. Isso é importante. Temos muita capacidade. Essa equipe sabe que enfrentará um grande da América, mas chega bem, fortalecido com seu jogo. Isso dá confiança a todos para o que der e vier.
Qual o perfil da sua equipe?
É um time com jogadores de muita capacidade técnica, na Venezuela todos sabem que tem uma filosofia de jogo. Na Copa, estão os melhores times e jogadores do continente, mas temos uma equipe com muita capacidade para resolver as situações. É preciso estar concentrado. No primeiro erro, se paga caro. Tem de estar concentrado para tudo, e a tranquilidade dos jogadores estrangeiros (dois argentinos e um colombiano) pode nos ajudar.
O quanto as questões políticas e sociais da Venezuela afetam o desenvolvimento do futebol no país?
Acho que não tem relação a situação do país com o futebol. O presidente Chávez foi um grande precursor do desenvolvimento do futebol na Venezuela. fez seis estádios de primeiro nível do mundo e uma Copa América 2007 de primeira linha. Ficou sob responsabilidade do governo os investimentos nos clubes, isso fez com que o futebol crescesse nos últimos anos. A seleção teve altos e baixos pelas trocas de treinador e mudanças de filosofia. Acabou sofrendo nas Eliminatórias. Nos últimos anos, jovens têm jogado 20, 30 partidas no nosso campeonato nacional e saem para o Exterior. Nesse ponto, a situação econômica da Venezuela afeta. Os jogadores saem por um pouco mais do que ganham em nosso país. Penso que, mesmo assim, o futebol venezuelano, no continente, é que mais cresceu nos ótimos 10 anos. A questão é que a diferença para Argentina, Brasil e Uruguai segue muito grande. O futebol venezuelano está no caminho correto, crescera e brigará por lugar na Copa do Catar.
O quanto a situação do país no dia a dia dos clubes?
A situação política da Venezuela, tudo o que se vê fora, é tal qual e como aparece na imprensa, Os clubes, no país, têm segurança para viajar de um Estado ao outro, os jogadores têm muita segurança dos clubes para tocar a vida. Mas, em certas coisas, no aspecto econômico, como conseguir coisas básicas, tem de se fazer algum sacrifício. Mas sempre terá a ajuda dos clubes, para dar ao plantel, da melhor maneira possível. Passamos por um momento difícil, a qualquer momento, a situação pode melhorar e mudar.
O que seriam essas coisas básicas?
São algumas coisas, não são muitas. Há certos voos em que antes havia distintos horários e, agora, não. (Faltam)Certas comidas, em que há um processo, uma forma de guerra entre empresários e governo, e afeta que a gente possa ter a oportunidade de ir a um local e conseguir uma coisa ou outra. O mais importante: o que aparece na mídia é tal qual vivemos na Venezuela. Não é tão grave, mas deve melhorar e vai melhorar. O governo tem a obrigação de fazer e está empenhado nisso.
Qual o orçamento do Monagas?
O clube está estável economicamente, mas vive a realidade do país. Não faz contratações fora do que é a realidade da Venezuela agora. Os dirigentes fizeram um esforço para que se tenha melhores ferreamente para a Copa. Mas há uma realidade que não é só do Monagas.
O custo mensal do clube, o senhor saberia dizer?
Não faço ideia, os times da Venezuela têm uma linha a ser respeitada e, de uma maneira lógica, fazem para não ultrapassar esses gastos.
Para encerrar, é possível encarar o Grêmio na Arena?
Temos uma forma de jogar, mas nos adaptamos também ao rival. O futebol é 11 contra 11, mas cada time tem características distintas. O Monagas tem de adaptar seu modo para contragolpear o Grêmio. precisamos atacar, tratar de jogar a bola mais longe da nossa área.