Em meio a modernos hospitais e equipamentos de alta tecnologia, a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre preserva relíquias. A paz do pátio dos prédios mais antigos contrasta com a agitação de outras áreas hospitalares e do trânsito no centro da cidade. Com muito verde, é possível circular pelos corredores e orar na Gruta de Nossa Senhora de Lourdes. Em meio aos arcos da fachada, os mais atentos observarão um sino, já sem a corda para ser tocado.
Em visita ao local, fiquei curioso para entender o histórico daquele sino. A historiadora Véra Lucia Maciel Barroso, coordenadora do Arquivo Central do Centro Histórico-Cultural Santa Casa, conta que é herança das irmãs franciscanas. Em 1893, as religiosas, sob comando da Madre Ana, assumiram enfermagem e administração interna. O sino, provavelmente, foi colocado no início do século 20. Produzido pela indústria porto-alegrense Bellini, foi usado para avisos religiosos, como chamar para missas na Capela Nosso Senhor dos Passos.
Até o início da década de 1980, o sino teve outra função importante na rotina hospitalar. Era um meio de comunicação. No volume 2 do livro Caminhos da Enfermagem, de Edna Ribeiro de Ávila e Véra Lucia Maciel Barroso, foram reproduzidas memórias sobre sino.
— A irmã percorria, no início do plantão, as unidades. E depois ia para a clausura. Aí qualquer coisa que precisassem, tocavam o sino, que esse sino é histórico para enfermagem, porque ele serviu de bipe, ele serviu de celular, de telefone... Porque aí assim... se precisava de alguma coisa, o paciente que estava melhor ou a enfermaria que tinha um funcionário disponível, descia até o sino, batia três vezes e deixava um papel escrito onde estavam chamando — explicou, em 2017, a ex-enfermeira da Santa Casa Elisabeth Stillner.
Quem tocava o sino ficava esperando para dar o recado ou deixava um bilhete. Mesmo quando colocaram interfone em alguns pontos, permaneceu o uso do sino.
— Era para chamar o médico ou a enfermeira chefe. Cada um tinha um sinal. O doutor Ricardo Weber tinha duas batidas. Era “bawn, bawn!” Todo mundo sabia. Aquele sino é uma coisa... É uma relíquia. Cada médico tinha o seu tom de avisar quando chegava — recordou a Irmã Orminda em entrevista em 2013.
O sino fica na fachada do Pavilhão Centenário, parte do Hospital Santa Clara. É o prédio mais antigo do complexo. Fundada em 19 de outubro de 1803, a Santa Casa de Misericórdia começou as obras em 1804. As primeiras duas enfermarias foram abertas em 1º de janeiro de 1826.