Na infância, fazer compras pode ser uma tarefa de grande responsabilidade. Crianças ficam felizes, talvez um pouco apreensivas, quando os pais pedem ajuda. A mãe até pode estar pertinho, quem sabe ao lado, mas dá aquele frio na barriga. Será que não faltou nenhum produto? O troco está certo? Os conhecimentos matemáticos são testados na contagem das moedas.
Lembro de ir ao armazém perto de casa com uma listinha. Normalmente, poucas coisas, como pão, leite e frios. Dentro da sacola retornável, carregava um caderno espiral. O caderninho faz parte da história do crédito no comércio. É o famoso fiado das antigas vendas ou armazéns.
Nas folhas do caderno, o comerciante anota o valor da compra de cada dia. O cliente consegue controlar assim as despesas. Em uma data combinada, normalmente no início do mês, os valores são somados para o pagamento. No mercadinho, os gastos dos clientes ficam anotados em outro caderno para controle do vendedor. Se a confiança for maior, fica tudo apenas no caderninho do cliente.
O caderninho é o precursor dos cartões de grandes redes de supermercados. Em vez de monitorar as despesas pelo papel, o consumidor fica de olho no aplicativo no celular. O fiado moderno é digital.
Não imagine que, no fio do bigode, todo mundo pagava em dia. Meu avô tinha um armazém e estava acostumado com os calotes. Mesmo com a clientela morando na vizinhança, nem sempre adiantava bater na porta para cobrar.
Nos mercadinhos de bairro, vocês certamente já viram um alerta comum aos fregueses. Em papel, escrito à mão, o comerciante avisa que não vende fiado. Em tempos de cartão de crédito, eu acreditava que o caderninho estava aposentado. Ledo engano.
Em rede social, fiz a provocação recentemente e descobri que tem gente ainda comprando no velho e bom caderninho. O comerciante Zilmar Reis Pedro, por exemplo, me contou que é uma tradição no minimercado da família em Cachoeirinha. Um dos clientes faz as compras no caderno desde 1976, pagando religiosamente em dia. Claro que o comerciante também já ficou com muito prejuízo. Com o acesso maior aos cartões de crédito, a antiga modalidade de crédito fica restrita hoje aos clientes conhecidos.
Em um mundo digital, até quando o caderninho vai resistir?
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