O jogo do bicho surgiu como um inocente prêmio no Jardim Zoológico do Rio de Janeiro. Quando o visitante comprava o ingresso, escolhia um animal. O bilhete de papel trazia a imagem do bicho e poderia render dinheiro para os sortudos. Em 130 anos, o jogo ficou arraigado na sociedade brasileira. Nem todos sabem que é proibido, porque as apostas não são feitas às escondidas. É fácil encontrar os pontos, inclusive com placas em frente a estabelecimentos.
Em julho de 1892, começou o jogo no zoológico em Vila Isabel. Pela autorização da intendência (prefeitura) da então capital do Brasil, João Batista Viana Drummond, o barão de Drummond, poderia explorar jogos lícitos para aumentar o público e a receita no parque que construiu para o lazer dos cariocas. Desde o início, jornais publicavam o resultado e o valor pago em prêmios. O primeiro bicho foi o avestruz. Em 15 de julho, por exemplo, o Diário de Notícias informou que o pavão venceu no dia anterior.
O prêmio era de 20 vezes o valor da entrada. Na verdade, o "sorteio" ocorria antes da abertura do zoológico. Cada visitante deveria escolher uma das 25 fotografias de animais na hora da compra do bilhete. Quando o parque abria, no início da manhã, a imagem do bicho do dia já estava dentro de uma caixa de madeira na entrada. No final da tarde, com presença dos visitantes, a fotografia era retirada e todos descobriam quem ganhou. O prêmio poderia ser retirado um dia depois em loja no centro da cidade.
O jogo dos bichos, como era chamado nos primeiros tempos, passou a ser explorado por terceiros fora do Jardim Zoológico. Bicheiros vendiam os bilhetes nas ruas, praças e estabelecimentos comerciais. O negócio concorria com as loterias e as populares corridas de cavalos. Em 1895, o Jornal do Commercio publicou que grande público ficava na porta dos bookmakers, entre 16h e 18h30, esperando o resultado da abertura da caixa do bicho do zoológico.
Em meio a muitas críticas na imprensa contra a jogatina, a prefeitura precisou agir. Nos jornais, escreviam que até crianças estavam viciadas. Em debate, que parou no judiciário, estava o enquadramento do jogo como lícito ou ilícito. Não adiantaram os argumentos do barão de Drummond, justificando que cobrava apenas o valor do ingresso, sem qualquer acréscimo para o visitante concorrer ao prêmio.
Em abril de 1895, o chefe de polícia intimou o empreendedor para suspender os sorteios. O zoológico chegou a ficar fechado antes de reabrir em 15 de julho, sem direito a prêmio ao comprar o ingresso. O anúncio na imprensa deixava bem claro o fim do sorteio. Nas ruas, continuou o jogo que já era muito popular, de fácil compreensão de todos.
Em outubro de 1895, o Jornal do Commercio noticiou o que os bookmakers decidiram fazer para burlar a proibição. Eles relacionaram os 25 animais do sorteio do zoológico com os números premiados na loteria. Na época, já era possível tentar a sorte em açougues, armazéns e outros estabelecimentos comerciais. Nem sempre os prêmios eram pagos. Com frequência, pelas notícias dos jornais, a polícia fazia ações contra a jogatina.
Uma curiosidade que mostra como a atividade era forte está no primeiro Livro Registro do Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Em 1898, lei definiu e garantiu os direitos autorais de obras nacionais de brasileiros e estrangeiros residentes no País. O primeiro item no livro de registro é uma cromolitografia com a relação dos animais do jogo do bicho.
O jogo do bicho chegou ainda no final do século 19 a outras cidades brasileiras. Em 1899, o jornal A Federação noticiava ações policiais contra bicheiros em Porto Alegre e Bagé. Enquadrado como contravenção penal, o jogo completou 130 anos.
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