É preocupante, sim, que conteúdos produzidos por veículos jornalísticos estejam sendo removidos por determinação da Justiça, ainda que sob respaldo da lei. No mínimo, devem gerar uma reflexão.
Nos últimos dias, o tema ganhou relevância no debate eleitoral, a partir do caso da rádio (e agora também TV e portal na internet) Jovem Pan. Nesta quinta-feira (20), haverá nova discussão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), desta vez sobre a possibilidade de remoção de conteúdos sem que a Corte seja provocada.
Perceba como atualmente, diante do avanço das mídias e o surgimento de diferentes plataformas de conteúdo, encaixar uma emissora em único espectro ficou praticamente impossível. Elas estão, também, na internet e nas redes sociais.
No caso de rádio e TV, que são concessões públicas, a legislação eleitoral é rigorosíssima. A colunista trabalha há 16 anos em rádio, e a cada eleição as regras são repassadas aos profissionais, ao menos, uma dezena de vezes. É de um rigor absoluto.
Muitas vezes, os ouvintes esperam que nos pronunciemos sobre este ou aquele tema, mas pelo cuidado com a legislação eleitoral — que pode aplicar multa ou até mesmo uma sanção que retire a emissora do ar — optamos pelo respeito e pelo cuidado impostos pela regra. Fico pensando como, até agora, ninguém havia se atentado a isso.
O fato é que o caso Jovem Pan fez o debate emergir. Afinal, é assim mesmo? Rádios e TV devem trabalhar com esse nível de limitação? Fui ouvir diferentes atores deste processo. O assunto não é unanimidade, nem de longe. E fico particularmente feliz que esteja havendo essa reflexão.
O que nos explicam operadores de Direito é que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e, portanto, está submetida a ser freada quando houver cometimento de crime. Por exemplo, o racismo é crime. Nesta perspectiva, você não pode alegar que está exercendo sua liberdade de expressão ao ofender uma pessoa por conta da cor da sua pele. Você responderá judicialmente por isso.
Em outra linha, poderíamos contar também que os veículos de comunicação precisam respeitar, por exemplo, as regras previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, no sentido de proteger essa população. Sendo assim, não podem identificar crianças ou adolescentes vítimas de algum tipo de violência. Sob pena de também responderem judicialmente.
Por que digo isto? Porque é importante entender que o conjunto de leis existe para proteger os cidadãos. Então, a ausência total de regras pode parecer benéfica num primeiro momento, mas é fundamental que exista para assegurar o respeito e a dignidade humana, em especial se tratando dos mais vulneráveis.
Por último, e não menos importante, é salutar reconhecer a necessidade de adoção de um caminho que privilegie a informação e, portanto, combata o que vem sendo chamado de desinformação (às vezes, de fake news). E como, afinal, definir o que é desinformação? Qual o melhor meio? Não sabemos. Este é um processo que está sendo descoberto, como diz o ditado, com o carro andando. Tal como a atualização das regras de arbitragem em jogos do futebol, que nos últimos anos ganhou o auxílio do VAR, mas ainda cercado de polêmica.
O fato é que a censura, qualquer que seja, não pode ser interpretada como algo corriqueiro. Deve gerar nossa atenção e debate. Não se pode achar bonito que a repórter Juliana Dal Piva e o portal Uol sejam obrigados a apagar reportagens que falam sobre a compra de imóveis com dinheiro vivo pela família Bolsonaro, a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL). Nem que a Jovem Pan seja obrigada a excluir trechos de um programa que entrevistou a senadora Mara Gabrilli (PSDB), em que ela respondia sobre suspeitas de vínculo do ex-presidente Lula (PT) com o assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel.
Há um caminho longo, como se pode ver. Mas não deve ser feito sem discussão ampla. O contrário disso tem nome. E não deve voltar nunca mais.