Para além da preocupação fiscal a partir da concessão de uma série de benefícios que extrapolem o teto fiscal, a "PEC do Desespero" ou "PEC Kamikaze" traz um detalhe ainda mais sério e que merece atenção: ela passa por cima das regras eleitorais. A legislação brasileira é clara quanto a não permissão para concessão de benefícios, tais como aumentos a servidores ou mesmo auxílios para categorias específicas, em ano de eleição.
Vale para o aumento para funcionários públicos, por exemplo. Como explica o Tribunal Superior Eleitoral, a legislação proíbe que, no período de 180 dias (seis meses) antes das eleições (até o dia da posse), haja aumento para servidor que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição.
É justamente essa regra que busca garantir uma disputa de forma equilibrada, a fim de evitar que o governante possa se aproveitar do cargo que ocupa para oferecer benesses com o dinheiro do contribuinte, em troca de votos em outubro.
Ou seja, ao driblar a regra eleitoral, o Congresso está dando carta branca para que, qualquer que seja o ocupante do Executivo, distribua dinheiro a seus eleitores, sob o falso pretexto de uma situação de "emergência" ou "calamidade" — argumento incluído na PEC.
E não se atribua a culpa somente ao presidente da República, que tem absoluto interesse em captar votos já que está atrás do primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto. Mas a responsabilidade é também de dezenas de senadores que, preocupados com suas próprias cadeiras, não declinaram da ideia. Assim, permitiram que a PEC fosse aprovada com somente um voto contrário (o do senador José Serra, do PSDB).
O recorte sobre irresponsabilidade fiscal e o rombo no teto de gastos também renderia nota, mas a mudança das regras eleitorais, ao sabor e interesse de quem ocupa o poder, é absolutamente perigosa. E é exatamente isso que está sendo permitido, à luz do dia, com aval de governo e de oposição.