Que o presidente Jair Bolsonaro utilizou um instrumento jurídico para um fim político (perdoar um aliado de seu governo) não restam dúvidas. Mas há mais entre o céu e a terra quando o assunto é política no Brasil. Chamou a atenção de juristas advogados atentos ao Supremo Tribunal Federal que Bolsonaro tenha concedido indulto em processo relatado por Alexandre de Moraes.
É o mesmo ministro que em 2018 concedeu um voto absolutamente favorável ao instrumento do indulto, em julgamento que analisava a validade de um ato executado pelo então presidente Michel Temer.
Na ocasião, o decreto editado por Temer beneficiaria inclusive políticos condenados por corrupção. Naquele julgamento, houve divergência entre os ministros Luís Roberto Barroso — que votou por manter os crimes de colarinho branco excluídos da concessão do benefício — e Alexandre de Moraes, que votou a a favor do decreto de Temer.
O que Alexandre de Moraes ponderou, à época, é que o indulto é prerrogativa do presidente da República e, portanto, o STF não deveria se colocar sobre outro Poder.
— Esse ato de clemência constitucional (indulto) é um ato privativo do presidente da República. Podemos gostar ou não gostar. Assim como vários parlamentares não gostam muito quando o Supremo declara inconstitucionalidade de emendas ou leis e atos normativos, função constitucional prevista para o STF — explicou.
— O ato de clemência não desrespeita a separação de poderes. Não é uma ilícita ingerência do Executivo, com devido respeito às posições em contrário, na política criminal que genericamente é estabelecida pelo Poder Legislativo e concretamente pelo Poder Judiciário. Até porque indulto, seja graça ou perdão presidencial, seja individual ou coletivo, não faz parte da política criminal. É um mecanismo de exceção contra aquele que tem competência (o Presidente) entender excessos da política criminal — votou.
A aposta de advogados que acompanham o cenário em Brasília é de que Bolsonaro, ao editar o decreto a favor de Daniel Silveira, tinha (e tem) plena consciência de que o caso será, mais uma vez, judicializado. Isso porque haverá contestação do ato do chefe do Executivo. Onde? No STF. Assim sendo, os ministros serão "obrigados" a discutir se o presidente tem, ou não, prerrogativa para conceder indulto neste caso.
Nesta perspectiva, acabaria forçando Moraes a se contradizer (ou não).
É claro que este é um raciocínio curto, considerando que há outros aspectos a serem considerados sobre a validade de um indulto no caso Daniel Silveira, como por exemplo quanto à possibilidade de extensão do indulto e quanto ao momento (mesmo antes do trânsito em julgado). Contudo, a aposta é que Bolsonaro quis mesmo chutar a bola de volta na direção do STF. E, assim, botar lenha na fogueira entre os poderes mais uma vez.