As sucessivas declarações de Jair Bolsonaro questionando o sistema de urnas eletrônicas utilizado nas eleições brasileiras produziram um novo capítulo na tensa relação entre o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal. Na noite desta quarta-feira (4), o ministro Alexandre de Moraes (STF) decidiu incluir o presidente da República entre os investigados do inquérito que trata sobre as fake news, sublinhando a estreita relação com outro inquérito importante, o que apura a realização e o financiamento de atos antidemocráticos.
No despacho, o ministro Alexandre de Moraes não economizou no tom. Escreveu o magistrado da Suprema Corte que Bolsonaro "se posicionou de forma, em tese, criminosa e atentatória às instituições", em especial contra o próprio STF.
Ao lembrar da relevância do inquérito, aliás, Moraes fez questão de dizer que as investigações até aqui indicaram a existência de uma "associação criminosa" — o chamado gabinete do ódio — dedicada, segundo ele, a disseminar notícias falsas e ataques ofensivos a pessoas, autoridades e instituições.
O ministro atenta para a curiosa correlação entre a elevação da agressividade nas falas do presidente e o imediato surgimento de campanhas difamatórias nas redes sociais. Ele cita o surgimento das hashtags #barrosonacadeia e #votoauditáveljá.
"Nas redes sociais, os ataques ocorreram, costumeiramente, no mesmo dia ou no dia seguinte às declarações do presidente da República, por uma série de perfis e páginas nas redes mundiais de computadores, sempre visando ameaçar, agredir e a atacar ministros do Supremo Tribunal Federal, bem como o processo eleitoral e outras instituições democráticas", observou o magistrado.
Alexandre de Moraes, ao justificar sua decisão, reforça a necessidade de adoção de medidas que "elucidem os fatos investigados, especialmente diante da existência de uma organização criminosa (aqui o ministro cita os dois inquéritos) que, ilicitamente, contribuiu para a disseminação das notícias fraudulentas sobre as condutas dos ministros do STF e contra o sistema de votação no Brasil, tais como as constantes na live do dia 29/7/2021, objeto da notícia crime".
Das quinze páginas do despacho de Moraes, basta uma leitura simplificada para entender que o problema em si não está em questionar o uso da urna eletrônica. Mas sim em afirmar que há fraudes (Bolsonaro o fez em live) e sugerir que essas irregularidades estejam sendo acobertadas pelos integrantes da Suprema Corte. Ou seja, atribuir crime a quem, em tese, não o cometeu. Entre os crimes possíveis estão: calúnia, difamação e injúria.
E mais: o ministro considera gravíssimo o fato de o mandatário da República insuflar o que ele identificou como uma organização criminosa que, através das redes, atenta contra autoridades e instituições, inclusive o sistema eleitoral brasileiro.
Para quem circula por Brasília, a decisão de Moraes, tal como a unânime votação no TSE (acolhida pelo magistrado), é importante sob o ponto de vista de uma demarcação de posição frente a ataques graves, além de um instrumento de pressão contra o presidente. Mas é quase certo que não resulte em efeito prático.
Isso porque para que uma sanção fosse aplicada haveria necessidade de denúncia por parte do Procurador-Geral da República, Augusto Aras. Neste caso, é mais provável que o Brasil supere a China em número de medalhas nos Jogos Olímpicos de Tóquio até domingo. Ou que o Inter vença o Flamengo no Maracanã.