Bolsonaro ganha com Arthur Lira no comando da Câmara? A pergunta pode parecer sem sentido diante de um cenário em que Lira (PP-AL), ainda candidato, recebeu apoio maciço do Palácio do Planalto e acabou vencendo o candidato de Rodrigo Maia na disputa à presidência da Casa. Contudo, cabe lembrar que em Brasília nem tudo se move como um observador ingênuo pode sugerir.
Basta lembrar que o MDB, maior partido de sustentação do governo Dilma (além do PT, claro), foi também o algoz e articulador de seu impeachment no Congresso Nacional. O vice-presidente Michel Temer, aliás, participou intensamente dos movimentos que resultaram na queda da chefe.
Daí a importância de entendermos a gestão de Arthur Lira sob a perspectiva do centrão, um grupo político formado dentro do Congresso que possui um número alto de deputados de legendas "menores" que as grandes siglas. Somados, porém, eles fazem barulho e não é pouco.
Não foram poucas as vezes que este grupo pressionou o Executivo (no caso, o presidente) em troca de pautas convenientes. E não pense que este apoio vem de graça. Para oferecer fidelidade em votações, os deputados exigem algo que os beneficie — o que pode ser encarado como a liberação de uma emenda (verba à qual o parlamentar tem direito) ou mesmo um cargo para um apadrinhado na estrutura federal.
Daí o perigo que se avizinha para Bolsonaro, em caso de a relação se estabelecer a partir do que se convencionou chamar de "toma lá dá cá". Qual será a contrapartida exigida pelos deputados que agora estão no comando do Legislativo? Haverá compromisso com o ajuste fiscal? E as reformas prometidas pelo então candidato à presidência? O centrão levará adiante? E aqui nem vamos entrar no tema pedidos de impeachment e o custo de mantê-los engavetados.
Como observou a colunista Vera Magalhães, em O Globo, "o Orçamento em frangalhos não comporta todos os ministérios e emendas prometidos, e a gritaria não vai demorar, porque o Centrão não tem pruridos de fazer a cobrança em alto e bom som e na forma de votações".
O ministro da Secretaria-Geral de Governo, Luiz Eduardo Ramos, rechaça essa possibilidade. Ouça aqui.
Em conversa com a coluna e também em entrevista à Rádio Gaúcha, ele classificou a vitória de Lira como uma vitória do Parlamento, mas que deixa o governo "muito satisfeito", já que segundo ele há um alinhamento de pautas que devem ser votadas na Câmara. Ele reconheceu o fato de o governo ter articulado junto a deputados votos favoráveis à candidatura de Lira, mas diz que não houve e não haverá troca de favores;
— Pelo contrário. Eu trabalho de uma maneira republicana (na Secretaria-Geral). Nós articulamos recursos para vários municípios, liderados por diferentes partidos, do PSB, do PT, MDB, PSDB, de todos os partidos. Aí pegam um valor que foi destinado a parlamentares que seriam "aliados ao Lira" e fazem um carnaval — contestou.
Para o deputado Kim Kataguiri, líder do MBL e um dos líderes das manifestações que geraram o impeachment de Dilma, parte dos deputados "se vendeu" em troca de benesses do governo. Ele chegou a se lançar como candidato à presidência da Casa a fim de marcar posição de enfrentamento ao "toma lá dá cá".
"Perdi uma eleição comprada com emendas e cargos. Mas não perdi minha coerência. O que defendo desde 2014 é o que sigo defendendo hoje. Aos que mantiveram seus valores, meu respeito. Aos que se venderam, meu desprezo", escreveu.