A mudança no tom por parte do governo federal quanto à intenção de compra de vacinas por grandes empresas brasileiras chamou a atenção do mercado e do meio político nesta terça-feira (26). Em seminário nesta manhã, o presidente Jair Bolsonaro declarou abertamente que o governo federal apoia a iniciativa de empresários de importar, por conta própria, vacinas contra a covid-19 para imunizar seus funcionários. A informação foi revelada pela Folha e confirmada por GZH junto a empresários.
A contrapartida, oferecida pelos donos das empresas, seria fornecer parte das doses adquiridas — se a intenção se realizar — para o Ministério da Saúde. Estas doses seriam inseridas no Plano Nacional de Imunização e, portanto, seriam disponibilizadas à população brasileira pelo Sistema Único de Saúde. Atualmente, o governo federal envia doses aos Estados, que ficam responsáveis pela aplicação nos grupos prioritários.
Logo na sequência da fala de Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se manifestou na mesma direção. Eles participavam do Latin America Investment Conference, promovido pelo Credit Suisse. Conforme registrou o Valor Econômico, Guedes se posicionou a favor da compre pretendida pelos empresários: "uma vez andando vacinação, deixa o setor privado entrar", disse.
A sinalização foi suficiente para que mais empresários buscassem representantes das empresas que lideram o consórcio pretendido para adquirir doses diretamente junto aos laboratórios internacionais. Entre as organizações que lideram o movimento está a Gerdau, que tem raízes no Rio Grande do Sul. Também participam do grupo líderes da Vale, JBS, Ambev, Santander, entre outras. Seriam 33 milhões de doses pretendidas da vacina de Oxford/Aztrazeneca, que até aqui tem informado a negociação de venda de doses somente junto ao setor público.
Em comunicado à imprensa nesta terça-feira (26), a AstraZeneca — que desenvolveu a vacina em parceria com a Universidade de Oxford (no Brasil, junto à Fiocruz) — afirmou que ainda não pode vender o produto para o setor privado. "No momento, todas as doses da vacina estão disponíveis por meio de acordos firmados com governos e organizações multilaterais ao redor do mundo, incluindo da Covax Facility, não sendo possível disponibilizar vacinas para o mercado privado", anunciou.
Conforme revelou o jornal O Globo, o governo brasileiro chegou a enviar nesta semana uma carta à AstraZeneca para dar seu aval a uma possível aquisição de 33 milhões de doses da vacina de Oxford pelo setor privado.
Novas empresas também buscam vacinas privadas
Conforme relatou um empresário à coluna, a troca de telefonemas se intensificou em busca dos articuladores das empresas do consórcio. Organizações que não estavam inseridas no plano começaram a procurar os porta-vozes do grupo, a fim de também manifestar interesse na compra e, quem sabe, conseguir adquirir uma parte das doses negociadas pelo consórcio.
Nas negociações, pesaria a favor das empresas privadas o fato de já dispor de bons relacionamentos comerciais em países onde as vacinas estão sendo fabricadas.
— O fato é que essas empresas hoje têm relacionamentos com os governos locais muito melhores do que o governo Bolsonaro — avaliou um empresário que preferiu não se identificar.
Duas autoridades consultadas pela coluna, contudo, se mostraram com os "pés no chão", ao se referir à possibilidade de venda de doses para a iniciativa privada. O ponto levantado por elas diz respeito à prioridade, estabelecida na pandemia, para entes públicos (governos) quanto à compra dos imunizantes de laboratórios internacionais.
— Acho difícil. Essa produção inicial deverá ser destinada exclusivamente ao setor público — explicou uma fonte.
— Penso que no presente momento, em que há uma disputa feroz por vacinas, as farmacêuticas não venderão para entes privados — alertou outro interlocutor do governo federal.
Além disso, mesmo os empresários envolvidos e que apoiam as negociações, têm consciência sobre o debate ético gerado a partir da possibilidade de compra dos imunizantes pelas grandes corporações.
— Acho que terá um tema ético bem complicado pela frente. Como ficaria o trabalhador da "empresa x" que não tenha sido vacinado ao olhar o vizinho que trabalha na "y" e foi vacinado? — ponderou.